27 de outubro de 2012

DESCOBRIMENTOS: O HORROR NAS CARAVELAS




- A Dura Vida dos Navegantes -

Não era nada confortável e humano o que acontecia nos séculos 15 e 16 nas caravelas que navegavam pelos mares à procura de novas terras. Fome, sede, doença e estupro eram apenas algumas situações por que passavam os navegadores. Fugindo de uma vida dura na Europa, centenas de homens embarcavam nas caravelas dos descobrimentos. Alguns se iludiam com enriquecimento fácil, enquanto outros buscavam se penitenciar e partiam para difundir a fé em Cristo por outras terras.

Haviam mais tripulantes do que espaço, o que obrigava as pessoas a se agruparem sem qualquer tipo de privacidade. As caravelas tinham dois andares, além do convés – a céu aberto. Os hábitos de higiene eram precários. Proliferavam insetos e parasitas: pulgas, percevejos e piolhos. O mau cheiro se acumulava, tornando o ambiente insuportável em pouco tempo. Além disso, havia o perigo constante de naufrágio e a possibilidade de serem mal recebidos pelos nativos desconhecidos.

A rígida separação que existia na Europa, entre nobres e plebeus, com leis distintas para cada categoria, era amenizada em alto mar. Só o mar poderia proporcionar a quebra da hierarquia que dificilmente ocorreria em terra, num continente dominado pelos títulos de nobreza.

Mas o risco constante de motim fazia com que os marinheiros fossem submetidos a uma rígida disciplina militar. Para garantir a ordem, cada capitão era obrigado a ter duas peças de artilharia em seu camarote e a portar armas. Amotinados eram presos a ferro no porão, onde permaneciam até o fim da viajem. Em terra, eram impedidos que entrassem noutro navio.

Nos pavimentos inferiores das caravelas o ar e a luz eram escassos, fornecidos apenas por fendas entre as ripas de madeiras, que também deixavam passar água, tornando os porões abafados, quentes e úmidos. Nesse ambiente insalubre, apinhado de carga, os marinheiros ficavam amontoados em um único cômodo.

O abastecimento e alimentação tinham sempre uma péssima qualidade, frequentemente deteriorados – ainda no princípio da viagem -, apodrecendo logo em seguida. O vinho se transformava em vinagre e a água em fétido criadouro de larvas. Para garantir alimento fresco, iam à bordo alguns animais vivos, principalmente galinhas, bois, porcos, carneiros e cabras, brindando os embarcados com muito esterco e urina, que contribuíam para aumentar as doenças entre os humanos.

Muitas vezes, na falta de lenha, peixes e carne eram consumidos crus. Em viagens longas, passados um mês, o que sobrava para comer era uma espécie de biscoito duro e seco, já todo roído por ratos e baratas. Muitos, não encontrando mais comida, optavam por pescar em períodos de calmaria ou caçar os muitos ratos presentes à bordo. Muitas doenças se verificavam nas caravelas: disenteria, febres, fraqueza extrema, desnutrição, inchaço nas pernas e principalmente o escorbuto que causava inchaço das gengivas e perda dos dentes. Em suma, uma dolorosa morte.

Não era costume, por exemplo, lavar pratos, colheres e gamelas usadas. Esses utensílios eram compartilhados, de uso coletivo. Além de tudo as pulgas, piolhos e percevejos saltavam dos animais para as pessoas.

Os tripulantes precisavam conter sua repugnância diante dos companheiros de viagem, que arrotavam, vomitavam e escarravam perto dos que comiam sua escassa refeição. Não havia instalações sanitárias à bordo. Faziam suas necessidades se debruçando no costado da nau, voltados para o mar. Alguns caiam e desapareciam. Tudo era feito no convívio com gente que fugia da justiça. E no meio de tudo, tinham também os aproveitadores, os estupradores e os que atiravam gente ao mar para ficar com seus pertences.
Cada rota, cada dificuldade enfrentada servia de lição para a etapa seguinte, mas os europeus continuaram a desbravar os mares e dominando cada vez mais novas terras.

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Fonte: Rev. História da Biblioteca Nacional / Descobrimentos  nº 84
prof. Fábio Pestana Ramos  



29 comentários:

  1. Era mesmo um horror, a história real, das Caravelas atravessando os mares, em busca de novas terras...
    Meu olhar pras caravelas, é o olhar romântico,
    na beleza de uma "Nau Catarineta", dos "Lusíadas" e outras poesias mais...

    Bom domingo, Taís
    Um beijo,
    da Lúcia

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    1. Oi, Lúcia, esse imaginário romântico penso que todos nós temos, desde a escola, quando pensávamos 'poeticamente' sobre o descobrimento. Mas na real, tudo errado. Não teria como ser diferente, uma vez que 'em terra' a higiene e salubridade, principalmente, ficavam a desejar... Mas para minha surpresa o horror nas caravelas era tão imenso, que se torna difícil de se imaginar.

      beijos, amiga!

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  2. Limerique

    Não havia piedade nem chorumelas
    Quando navegantes inflavam velas
    Rumo ao novo mundo
    Num buscar fecundo
    Nas malsãs e imundas caravelas.

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    1. É, Jair, é aquela coisa que se sabe: todo tipo de gente misturada em situação ímpar. Sem escolha. Mais triste, impossível, mas tudo à procura de um novo mundo, de novas chances. E sem a mínima estrutura, que aliás, seria pedir muito...

      Abraços, amigo,
      obrigada sempre.

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  3. Anônimo23:43

    Historia realmente impactante de esos viajes en navio.
    un abrazo.

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  4. Puxa, a história pensada assim fica instigante. Que sujeira e nojeira...Aliás hoje a "caravela" segue com outras sujeiras...

    beijos,chica

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    1. rsrs, é verdade, Chica!! Bem pensada essa sua frase, 'calhou' direitinho...

      Beijos e meu carinho.

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  5. Tais: Caravelas, não sei se podemos chamar horror, mas sempre gostei das caravelas não sei se é pelo facto o meu país ter sido um pais de caravelas e navegadores. gostei do texto,
    Beijos
    Santa Cruz

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    1. Para SANTA CRUZ: você não entendeu, querido amigo! O texto não fala do horror ' às caravelas' (que eram lindas esteticamente), mas do que se passava em seu interior, com os navegantes, na época dos descobrimentos. As caravelas que partiam da Europa. O texto fala da precariedade, da insalubridade, da fome, enfim, da miséria que habitava o seu interior. O texto narra a vida dos que embarcavam à procura de uma vida melhor.

      Grande abraço, amigo!

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  6. Não pensamos nesses aspectos, salvo quando lemos algo a respeito. Somos tomados por sentimentos estranhos, de repulsa e nojo. E o que mais incomoda é saber que tudo isso faz parte de uma antiga realidade. Bjs.

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    1. Amiga querida... o que não dirão de nós, as pessoas que viverem daqui a 300 anos? Será que não nos chamarão de bárbaros sabendo e lendo sobre as atrocidades que cometemos no século 20 e 21?
      Como será visto esse nosso tempo? Por certo não nos chamarão de anjinhos...

      Beijos, meu carinho!

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  7. Tais,

    Este nosso mundo sempre foi marcado por horrores que, de tempos em tempos, são trazidos à tona... No entanto, a História conforme contada nos livros escolares trata de colorir alguns episódios, criando mitos, construindo heróis... Assim como você, fico me perguntando: que dirão de nós, de nossa época? Bem provável que, em algum tempo futuro, alguém se levantará para nos desmascarar e falar das atrocidades de nossos tempos, utilizando a palavra "horrores". Talvez a falta de higiene não seja a mesma das caravelas, mas a "sujeira" escondida pelos cantos, debaixo do tapete, é grande e igualmente causa asco a quem tenta viver uma vida mais íntegra, mais honesta. Descobrimos mundos, mas não sei se melhoramos muito a nossa índole... Um beijo, Tais!

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    1. Suzy, pois é, lembro dos tempos em que estudávamos História do Brasil, a História do Mundo e a História da Raça Humana. Estou no pc e olhando para esses livros, ainda por aqui. Esses não faziam parte do currículo, mas fizeram parte de uma época: da minha época. Quanta fantasia! Até hoje me espanto com certas aulas de História! E, de anos pra cá, leio muito mais sobre isso para tirar o desencanto e dar passagem para a verdadeira história do mundo. A outra já esqueci, nada acrescentou. Essa serve de lição!
      Amiga... continuamos Bárbaros, uns Bárbaros Modernos, com mais requinte!

      Grande beijo, amiga.

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  8. Oi Tais! Tô passando pra dizer que indiquei o seu blog para o Prêmio Dardos.

    No meu blog há a indicação!

    Bjinhos!

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  9. Oii Taís, gostei muito de ler este texto, fiquei imaginando aki essas pessoas enfrentando tantas dificuldades, a gente vê nos Filmes mas eles não mostram as pulgas os piolhos, a sujeira, embora dê p imaginar, essas pessoas sofreram muito mesmo! Gostei bastante desta viagem pelas caravelas, adoro história! Bjoooss

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  10. Oi Tais!
    Esse texto é bem informativo e digamos, ao pé da letra. É incrível como o ser humano dotado de um egoísmo enorme e de uma doença (assim prefiro definir essas insanidades da história) chegou a pontos tão extremos enquanto o mundo dava passos largos a desenvolver-se no ramo das navegações. E realmente, não vivemos coisas tão diferentes. É claro que hoje não se jogam pessoas dentro de uma embarcação a fim de comercializá-las. Hoje temos um direito aqui e outro lá que nos "protege". Mas a essência do horror é a mesma. O próprio ser humano é capaz de desumanizar-se desde que o efeito surta nas camadas mais longe possíveis.
    O senso comum não enxerga que muitas coisas não deixaram de existir com o tempo. É como se elas só mudassem de nome, lugar, jeitinho... Como eu já disse, a essência do problema é a mesma.

    Muito triste saber que o ser humano pensa que muitas práticas sumiram... Elas estão por aí disfarçadas muito bem...

    Abraço, amiga!

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    1. Oi, Fellipe, enquanto temos uma tecnologia cada vez mais aprimorada; enquanto temos uma Internet - que jamais sonhamos um dia tê-la; enquanto o homem vai para o espaço atrás de novas descobertas; enquanto órgãos são transplantados cada vez com mais sucesso... a barbárie continua igual, apenas mudou o modo de praticá-la. A verdade é que o ser humano não mudou na sua essência. Mentes doentes existem desde que o mundo é mundo. Não se jogam mais gente dentro de embarcações para comercializá-las, como você disse - e concordo. Mas precisa? Hoje tudo é a céu aberto e com todos sabendo!! E a coisa continua, igual a cupim: você coloca veneno de um lado, eles caminham, por dentro, e o estrago, as atrocidades aparecem do outro lado! E assim caminha a humanidade, não querendo plagiar...

      Abração, amigo!!

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  11. Hoje somos mais civilizados(?), mas a porcaria é a mesma...
    Pobre mundo..
    Maravilhosa crónica..
    Boa semana
    Beijo

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  12. Minha amiga! Que vidinha dura hein! Post interessante e super informativo, e muito conhecimento; através do conhecimento de fatos de nossa história poderemos entender melhor e/ou explicar o presente.... Um abençoado e feliz início de semana!
    Abraço fraterno e carinhoso!
    Elaine Averbuch Neves
    http://elaine-dedentroprafora.blogspot.com.br/

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  13. Pois é minha cara blogueira. A noção de higiene é muito recente na especie humana.O banho diario, principalmente em paises quentes como o nosso, é da segunda metade do seculo XX pra ca, mais ou menos depois da decada de 1940.
    QWuanto a barbarie humana nem preciso comentar, basta citar a babaridade primitivista que é torturar animais como "diversão" - leia-se rodeios , farra do boi e outra indecencias.

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    1. Olá, Sig, totalmente de acordo, a 'farra', o descaso, a hipocrisia, a corrupção, os crimes bárbaros, a crueldade, a intolerância, a incompetência, tudo continua... Com isso não quero dizer que coisas muito significativas não aconteçam, mas a 'espécie' está a mil! É como falei ao Fellipe, acima.

      Abraços, obrigada!

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  14. Eu gosto de ler sobre a história da humanidade e esses aventureiros dos sete mares. Avançamos em muita coisa. Estamos, de certa forma, mais civilizados e com noção de higiene e saúde. As caravelas deram lugares a navios gigantescos, como o Allures e o Oasis, os maiores do mundo e ostentados por luxo. Mas continuamos cometendo barbaridades fora das caravelas...e enchendo nosso planeta de lixo.

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  15. Que beleza de texto.
    Uma excelente aula de história, marcante com traços reais.
    Bjos e obrigada pelo esmero demonstrado em seus textos.

    PS: Se for a feira do livro escreva contando, este ano não poderei estar em Porto Alegre nestes dias, snif! snif!

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    1. Oi, Bella, que bom você aqui. Sei que você gosta dessas aulas curiosas! Eu também adoro trazer para o blog.
      Certamente irei à Feira do Livro, mas não tenho data. Olha, adorei a escolha do poeta Luiz Coronel para patrono! Bota merecer nisso!!!
      Beijão, amiga.

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  16. Ola estimada Tais, fascinante e interessante relato, propio asi es, como voce diz.
    Beijos.

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  17. Difícil julgar de uma forma tranquila. Tempos difíceis, tantas conquistas, tantas lutas, somos o reflexo desse tempo e dai tiramos algo, aquilo que souberam estimar.
    Beijo e abraço

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    1. Olá, Manuel: de forma alguma é um julgamento, apenas uma narrativa dos tempos passados. Hoje também vivemos uma história que será contada no futuro! Como seremos vistos, não sei, mas com certeza será contada nossa história, nossas conquistas, e nossas atrocidades. Nossos absurdos - num enfoque sob o ponto de vista deles. Talvez seremos denominados de bárbaros! Não temos nada de anjinhos...

      beijos, obrigada, amigo.

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  18. legal otimo pro meu trabalho de historia

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Muito obrigada pelo seu comentário
Abraços a todos
Taís