![]() |
Ciência e caridade 1897 / Picasso |
MORRER COM DIGNIDADE
- Tais Luso de Carvalho
Moro perto de um hospital e também de um parque. Duas realidades que me mostram o ser humano num momento feliz, e no outro momento a luta pela sobrevivência. De um lado a exuberância da natureza; do outro lado, longe dos Jacarandás e dos Ipês se vê o setor de emergência: sofrimento, desgraça, súplica e a certeza de que não se tem mais muito tempo pra sonhar.
Não tenho nenhum problema com a morte, mas não diria o mesmo se sofresse dor física: sofrer para depois morrer! Não dá para entender que com tanta tecnologia descoberta e aprimorada, quando em segundos nos comunicamos com o mundo inteiro, quando satélites nos enviam fotos e dados com precisão, há pessoas, ainda, que morrem com muito sofrimento.
Não dá pra admitir que se espere por um milagre quando não há a mínima chance de cura, e que se aplique ao paciente um sofrimento adicional; que se atrase o seu último suspiro pelo fato de seu médico achar que deva prolongar ao máximo sua vida, mesmo levando o paciente a um sofrimento físico e psíquico. Penso que esta é a hora de humanizar a morte, de não tê-la tão pesada, se assim posso dizer.
Estamos no século XXI e temos o direito de saber de nossa saúde, das nossas possibilidades de cura, dos efeitos de um tratamento, enfim.
O que todos nós queremos e procuramos é um profissional ético e humano; não cabe mais ao médico decidir sozinho o caminho a ser trilhado pelo paciente.
Existe certa polêmica em torno de três fatos bem conhecidos:
Um é sobre a Eutanásia - prática pelo qual se abrevia a vida de um paciente, de maneira assistida e o induzem ao estado de coma para que não sofra.
Existe a Eutanásia ativa e passiva; na primeira hipótese é vista como um suicídio assistido – uma pessoa que executa, e a passiva é o próprio paciente que provoca seu fim, apesar de ter ajuda de terceiros.
A terceira forma é a Distanásia, que consiste em atrasar o momento da morte, usando de todos os meios, mesmo não havendo esperança, apenas para manter o paciente vivo o maior tempo possível. A literatura norte-americana utiliza esse termo Distanásia como tratamento fútil.
Já os franceses consideram tal conduta como sendo “encarniçamento terapêutico”, ou seja, a utilização de medidas desproporcionais que postergam a morte, sem que se ofereça ao paciente qualquer qualidade de vida.
A Ortotanásia – significa ‘morte correta’. Seria não usar de aparelhos ou de meios para prolongar a vida, Já não há nenhuma chance, mas paliativos para evitar sofrimentos, para que o paciente morra sem dor,
Morrer já é um fato desesperador, por que não dar ao ser humano condições de paz e de escolha? Morrer com dignidade é um ato de compaixão e de humanidade, uma demonstração máxima de amor por aqueles que amamos a vida inteira.
O escritor, poeta, compositor e filósofo Antônio Cícero, que ocupava a cadeira número 27 da Academia Brasileira de Letras, irmão da conhecida cantora Marina Lima, foi à Suíça morrer com dignidade – segundo suas palavras. Sofria do Mal de Alzheimer, e morreu com o suicídio assistido em 2024, aos 79 anos – procedimento legalizado naquele país.