- Tais Luso de Carvalho
Há certos momentos, em nossas vidas, que não esquecemos. Muitas vezes relembro coisas maravilhosas, outras nem tanto, mas que tocaram meu coração de modo diferente.
Tempos atrás, ao levarmos nosso cachorro para seu passeio, passamos por um mendigo que ficou olhando, sorrindo para nosso cão, dando-lhe um Buenos dias, amigo! Foi um bom dia pra lá de gauchesco, lá da fronteira: firme e forte.
Mas no início senti algo de estranho naquela atitude, uma postura um pouco diferenciada de mendigos. Senti, de imediato, a sensação de que o homem era diferente, mas ainda não sabia bem definir. Tinha algo de estranho ali. E comentei com Pedro. Não apresentava a humildade dos desprovidos nem a arrogância dos abastados. Mas algo ficou no ar. E fui caminhar pensando.
Cabelo e barba já revelavam certa idade, embora se mostrasse um mendigo desempenado. Com uma voz forte, deitado sobre um cobertor, trazia entre seus pertences uma cuia e bomba de chimarrão, a tradição gaúcha. E ainda o bom humor para dar um Buenos dias personalizado.
Continuamos o passeio, mas com o mendigo na cabeça. Na nossa volta, ele sorriu novamente para nosso cachorro, de corpo grande, baixinho, peludo, bem tratado e com uma capa de chuva!
Realmente, o quadro era engraçado (ou desgraçado?). Estava chovendo e o mendigo sem proteção, deitado debaixo da marquise, enquanto um cachorro passava com capa de chuva... Na hora senti o desconforto da situação. Um pouco de constrangimento.
Num dado momento, o mendigo gaúcho levantou-se para pegar uma mochila, mas não conseguiu caminhar sem a ajuda de uma velha bengala. Custou a dar 5 passos... Pedro o ajudou a pegar a mochila que estava mais longe.
Com seu sotaque forte e bonito, o mendigo agradeceu e falou para Pedro:
- Olha, amigo, vou lhe dar um conselho: nunca beba... Fuja disso, fuja!
Nada perguntamos, nenhum dos "porquês" foi acionado. Mas lá no começo eu tinha sentido que havia algo bem diferente com esse mendigo.
Talvez um dia a gente venha a saber da sua história. Por enquanto conhecemos apenas o seu bom dia (Buenos dias), acompanhado de um sorriso diferente. Tão guapo quanto sua saudação.
Tomara que a vida dê voltas e que eu não o encontre mais assim como o encontrei naquele dia, não era um mendigo, ele estava na solidão dos abandonados.
E lutar sozinho é muito difícil.