4 de novembro de 2024

O PLANETA PEDE SOCORRO!

 



O PLANETA PEDE SOCORRO!

                                 - Taís Luso de Carvalho


Não sei até quando nosso mundo aguentará o peso de tanto ódio entre os humanos e o enorme descaso com a natureza. O pacote já está pronto para o desespero e agonia. Enchentes e Queimadas terríveis em diversos pontos do planeta, já é um pedido de socorro. Mas, não há socorro suficiente. Apaga aqui, aparece ali… É da mão humana, sem dúvida.

Com tanto ódio, com tantas guerras, com tantos horrores circulando pelo mundo afora, ando com a sensação de que estamos nos acostumando com muitas coisas.

Inocentes chorando, sofrendo, morrendo nessas guerras miseráveis e nada do que se faz por aqui surte efeito! O mesmo mal se repete por anos. E claro, isso tudo nos torna frágeis, carentes, infelizes e descrentes.

A vida, está muito dura, pessoas com psicopatias, desorientadas e desassistidas vivendo no planeta como birutas, malucas destruindo outras vidas. As guerras ideológicas que se instalaram no Brasil, e não só nele, são extremadas e desanimadoras. É ódio puro. Parece que o fim do mundo está se aproximando.

O que esses poderosos desorientados lucrarão ao enviarem centenas de misseis cobrindo esses espaços entre seus países em guerra? Mais poder, mais conquistas, mais inimigos, milhares de mortos inocentes! Mais poderio bélico rasgando os céus com rastros de ódio. Somos nós os pobres coitados. Logicamente tais criaturas não têm noção do verdadeiro valor da vida. Ignoram o que seja amor e paz.

De um lado esse ranço horroroso e doentio; e do outro lado vemos o contrário. Sim, existe um lado lindo que torna as pessoas mais felizes por se sentirem úteis e amadas. Por terem a capacidade de amar. Mas outros ficam felizes com a desgraça, com a morte.

Senhores, afoguem as suas Guerras, sejam mais humanos, mais inteligentes! Soltem as armas e lutem pelo amor. Não nascemos para o ódio. O amor quando se instala nos corações humanos, deixa tudo mais lindo e feliz. E nada tão bom como os sentimentos de compaixão e de gratidão!

Um dia seremos pó e lembranças, nada além disso. Não esqueçamos, então, o bem que podemos fazer em vida! Seremos lembrados com carinho e gratidão. E muitos serão lembrados como Heróis.

Mudem o rumo da História para o bem da humanidade, Senhores, o planeta clama por socorro, e os humanos, querem acreditar num futuro mais belo e de paz. 

É  isso o que eu quero também, mas me parece apenas um sonho.


 






26 de outubro de 2024

ENTRE DUAS SOLIDÕES - Pontes de Miranda


 

ENTRE DUAS SOLIDÕES

             - Pontes de Miranda



Eu quero ir só,

Tão só que eu não sinta o ritmo de meu alento,

nem ver a sombra de meus cílios,

nem o ruído dos meus pés.

Eu quero passar por uma porta por onde, sozinho, eu passei.

A porta onde somente um passe

a cada vez.

Eu quero chegar só

e levar comigo somente a mim,

a mim, com meus segredos, com minha vontade,

com o que aprendi.

Eu quero florescer eu só,

com as raízes de minha vida,

a autenticidade de mim mesmo,

- o sorriso da velhice no frescor da alma

do recém - nascido,

amassar meu pão, a água na boca

daquele que tem fome,

esvaziar meu corpo

com a secura ávida de um sedento.

Eu quero morrer só, num soluço daquele que acaba

de nascer…

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Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, mais conhecido como Pontes de Miranda, nasceu em Maceió, no Estado de Alagoas / Brasil em 1892 e faleceu no Rio de Janeiro em 1979, aos 87 anos.

Foi um dos maiores Juristas do Brasil. Foi advogado, jurista, professor, filósofo, matemático, sociólogo, escritor, magistrado e diplomata. Também desembargador do Tribunal da Justiça do Distrito Federal até 1939. Recebeu prêmios da Academia Brasileira de Letras, em 1921 com o livro A Sabedoria dos Instintos e, em 1925 com o livro Introdução à Sociologia Geral.

Seu Tratado de Direito Privado é composto por 60 volumes e mais de 30 mil páginas. É responsável por introduzir inúmeros métodos e concepções novas em diversos ramos da Ciência Jurídica. Tornou-se Membro da Academia Brasileira de Letras em 1979, pouco antes de seu falecimento.

Pontes de Miranda era um intelectual típico do século XX, que entendia o mundo através dos olhos de uma cultura múltipla, integral e de largo espectro, tanto clássica como contemporânea. É um nome mítico das Letras Jurídicas, uma geração inteira aprendeu a admirá-lo, e seu imenso Tratado do Direito Privado permanece um marco da doutrina internacional.

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                            Poema: ENTRE DUAS SOLIDÕES  pág. 199

         Livro: A Flor de Ouro do Poeta

         Publicação original em francês: Poémes et Chansons

         Tradução: Betty Yelda Brognoli Borges Fortes 2009

         Dom Quixote - editora

 



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13 de outubro de 2024

A OBSESSÃO POR COLECIONAR

 

Minha única coruja  hoje - esculpida na cidade de Gramado - RS / Brasil


                         - Tais Luso de Carvalho


       Realmente, muitas coleções são belas, mas para muitos a alegria inicial transforma-se numa procura incessante, e depois num pesadelo – no meu caso. O bonito e o excêntrico viram obsessão! Caixinhas, corujas, antiguidades, latas de cervejas, moedas antigas, relógios, selos, chaveiros, porta-chaves, canecas de times de futebol, facas, canivetes Até um colecionador de urinóis apareceu na televisão, há anos. E conforme o bolso e o gosto do freguês a brincadeira sai cara. A extravagância tem seu preço. É viciante. Lembro daqueles álbuns de figurinhas, lá da minha infância. Era divertido para as crianças, os futuros colecionadores de tudo.

O problema fica dramático quando algumas fulanas resolvem colecionar objetos de grifes. Enquanto a tal da coleção não extrapolar, só temos de enfrentar a chatice de receber, em todas as datas, aquilo que colecionamos. Acabei me irritando. A coisa mais fácil que existe é presentear um colecionador: não precisamos andar quilômetros e nem pensar muito, a criatura ficará feliz, nem que seja por pouco tempo.

Eu também colecionava. O meu negócio eram corujas! E o negócio foi crescendo, pesando... Certo dia, fiquei olhando para minhas 365 corujas, e todas com a mesma cara, é óbvio! Parei e pensei: quantos anos se passaram eu recebendo corujas nos natais, aniversários, páscoas? Não aguentei mais. Certo dia aproveitei para surtar: o que faria com todas aquelas peças? Comprar mais armários? Tirar o pó de toda a bicharada? Mais furos nas paredes? Parei minha coleção, doei aos interessados. Aos amantes de corujas. Fiquei, apenas, com a principal, uma esculpida em madeira.

Lembro, também, de minha mãe com seus quase 1000 chaveiros! Lembro de seu drama para conseguir se desfazer daquela tralha toda. Não conseguiu. Acho que era doença de família. Foram anos perdidos catando diferenciados chaveiros. Minha mãe faleceu e herdei os chaveiros! Enlouqueci. O que fazer? Eram dela, gostava tanto, era tão animada! Guardei por bom tempo. Depois doei para 3 colecionadores.

Então, também fico a pensar nos enfeites que guardamos: não deixa de ser outro amontoado de inutilidades. Compramos mais armários para guardar mais coisas. É um desatino.

Não suporto mais tantos enfeites, o melhor é enfeitar a vida, encher nossos corações de bons sentimentos, nossas prateleiras de livros, de filmes, de música. Encher nossos sofás de almofadas e descansar vendo um filme ou lendo um bom livro.

No fundo, tudo é pequeno demais: talvez, colecionar sentimentos, amizades e companheirismo seja um grande negócio, não ocupam nossas gavetas e não entulham os armários. E a casa fica limpinha e espaçosa. Direcionar nossa energia para algo que dê retorno, que preencha nossos corações de solidariedade e de amor.

A vida fica mais colorida, e nós muito mais felizes. Assim fiquei.









28 de setembro de 2024

CRÔNICA PARA MINHA AVÓ - Tais Luso de Carvalho


CRÔNICA  PARA  MINHA  AVÓ

             - Tais Luso de Carvalho


      Com frequência sinto perfumes que lembram minha infância. Essas lembranças me transportam para uma deliciosa viagem a um tempo que não volta.

Minha avó adorava o perfume das violetas. E volta e meia eu sinto esse cheirinho gostoso, mas sem nenhuma violeta por perto. Tenho saudades do seu meigo olhar, e que aos 89 anos ainda sentia prazer em brincar.

Chamava-se Estrela: vó Estrela! Até esqueci que seu nome era meio diferente. Acostumei. Seus pais eram portugueses. Minha última lembrança são de seus cabelos branquinhos como flocos de algodão e que brilhavam como raios de luar. Não sei a magia das avós, mas sempre são queridas. Deve ser porque não querem mais ser  mães, não querem educar e nem repreender, querem apenas ser amigas, bagunçarem, serem queridas e esperadas.

Não esqueço de minha avó: era carinhosa e sempre com um sorriso maroto como se tivesse compartilhando travessuras. As avós podem se dar a esse luxo. Dizem que elas deseducam os netos; tudo bobagem! Elas nos cobrem de amor. Um amor que hoje, já adulta, sinto saudades. Muitas vezes precisamos desse aconchego sem fronteiras e sem limites.

Lembro, quando eu ficava doente, na cama, pedia à minha mãe para avisar a minha avó. Claro que isso gerava ciúmes por parte de minha mãe. Mas eu queria a minha avó para brincar. Jogávamos cartas; ela fazia umas jogadas marotas e dava gargalhada... Eu esquecia que estava doente e com febre.

Lembro-me de uma viagem de meus pais para o Rio de Janeiro: minha avó foi de mala e cuia para nossa casa, cuidar de mim e de meu irmão, por uns quinze dias. Que maravilha! Porém, ela tinha um defeito, vivia dormindo pelos cantos. Numa destas “dormidas”, meu irmão e eu pegamos as tripas de uma galinha que a empregada comprou no açougue e enrolamos no pescoço de nossa vó. Ficou um lindo colar. Mas aquilo quase a matou de susto, ficamos arrependidos, afinal não é moleza acordar com um colar de tripas no pescoço. Foi a primeira vez que levamos uma bronca dela.

Porém, no dia seguinte ao chegar da escola, meu grande urso preto estava todo vestido com minhas roupas, sentado em minha cama! E ela sorrindo, como se quisesse se desculpar pelo desentendimento do dia anterior. E assim, fazia todos os dias, vestia aquele enorme urso, o Jeremias, com minhas roupas e louca pra brincar, talvez voltar à sua infância. Bons tempos!

Beijos, minha Estrelinha, quem sabe um dia a gente se encontra num lugar bem mais bonito, onde você deve estar brilhando. Então poderemos brincar sem medo e sem contar mais o tempo; pedirei ajuda aos anjos para que me guiem por essa imensidão, e perguntarei, em cada canto, se eles não viram uma “Estrela” sapeca, com uma cabecinha branca brilhando como raios de luar.

Saudades, minha vó!

                 




21 de setembro de 2024

POR UM MUNDO MELHOR ! - Tais Luso de Carvalho


Parque Farroupilha - Porto Alegre / Brasil  



< POR UM MUNDO MELHOR >

- para

              Angela Utinguassú dos Santos  e  Liana Utinguassú .                 

                                                               

              

                        - Taís Luso de Carvalho

 

Percebo no meu país e em outros países, através dos meios de comunicação, que muitas pessoas estão indo por caminhos pouco sensíveis e onde se perderam três coisas de suma importância no convívio entre as famílias, amigos e colegas: pedidos de desculpas, por algum erro, uma palavra de agradecimento na hora exata e o sentimento mais abrangente de gratidão, que jamais se esquece e sempre comove. Essas três atitudes dão uma sensação de leveza e de mais carinho em nossas vidas, nos aproximamos mais dos outros. Há mais calor humano nesses atos. Há mais abraços, por vezes tão contidos. Não podemos nos transformar em pessoas duras e sem sentimentos. Não somos primitivos. Há muito ódio destilando no planeta, há intensa agressividade em pessoas quando suas ideias entram em contraponto com algo já exposto.

Cito como exemplo a agressividade atual, o nível a que chegaram os debates políticos que assistimos. Normalmente se espera um bom nível de educação, uma boa evolução cultural para seguirem os debates, sejam políticos ou em outras esferas. Diálogos com mais requinte, com mais moderação, sem mentiras, sem agressões. Querer atingir objetivos, derrubando o outro na sua moral e em atitudes que nada têm a ver no momento. Pesam demais nos que assistem. Desligo a televisão e fico com a impressão de que assisti a uma luta feroz num ringue sem cordas. Essa maneira de ser e de agir cria distância e decepção nas pessoas que assistem a muitos debates para firmarem suas escolhas. Infelizmente os interlocutores fogem dos seus objetivos e partem para os insultos pessoais.

Longe de mim discutir política, não é o que me move. O que me move é ver pessoas, ditas civilizadas, exporem suas ideias também numa roda de amigos, dando seu parecer sem ficarem destrambelhadas. Isso está ficando tão raro que quando vejo alguém educado e comedido, acho o fino do equilibrado. Mas há pessoas que não suportam o contraditório, e para esses uma vírgula acaba em pólvora, e a explosão não tarda.

Mas, acima de tudo, o importante é manter nossa paz, longe de discussões acirradas. Essas vivências me fazem perceber o que é ter uma excelente qualidade de vida. Tenho sentido como faz bem exercermos a humildade e pedir desculpas; como é bom agradecer e como faz bem ao espírito o sentimento de gratidão; esse não tem preço!

E tudo termina  num caloroso abraço.








9 de setembro de 2024

APRENDENDO COM A VIDA

 



                             -  Taís Luso de Carvalho -


       Moro num lugar alegre e arborizado, onde se encontra o  Hospital  de Clínicas de Porto Alegre, um dos mais importantes do país. Onde moro, tenho de graça, fatos e imagens que só me acrescentam. Tenho aulas sobre valores, atitudes, solidariedade, metas, realidade e sonhos. Tudo me é dado de graça, uma amostra do muito que posso  aprender com a vida em minhas observações diárias.

Caminho e vejo uma criança paraplégica, com a mãe ao lado, cobrindo seu filho de cuidados, e esta criança dependerá a vida toda de alguém. Ela me olha e eu abaixo a cabeça. Senti-me constrangida, não pelo fato em si, mas pelo seu sofrimento presente e futuro. Por saber que aquela 'dor' será para sempre. Evitei de falar com os meus olhos.

Vejo pessoas idosas, já na sua última instância de vida, nostálgicas e sem sonhos, apenas esperando... Vejo gente lutando para sobreviver, clamando por mais um tempinho de vida. Vejo nas minhas andanças - perto do hospital, crianças saindo da quimioterapia, muita gente acompanhando seus doentes, às vezes tristes, outras felizes ao deixar o Hospital. Tenho essas amostras, de luta pela vida, todos os dias. Tenho sempre o que aprender.  E isso, sem querer, vai me dando outra visão das coisas e das pessoas. Outra visão da vida. E posso traçar parâmetros para mim. Isso faz com que eu dê valor unicamente ao que tem valor.

Saio de uma realidade e vejo a outra: gente discutindo e se incomodando por um armário de cozinha que ficou com um tom acima do idealizado;  uma cortina que poderia ter ficado mais linda do que já ficou, dando um valor excessivo à matéria. Vejo  gente fútil  falar do pedigree de seus cães querendo desmerecer os outros animais do condomínio. Vejo gente que se descuida em ser mais ética. Vejo brigas enormes em inventários e coisas do gênero. Brigas de família intermináveis! Pego o carro e vejo pessoas discutindo porque o outro fez uma manobra infeliz ou invadiu a faixa de pedestres. Vejo de tudo um pouco. E aí lembro do hospital - o meu vizinho...

Só não aprendi, ainda, a lidar com a dor física. Ninguém deveria passar por dor física e, muito menos, ser submetido à tortura devido às ideologias políticas, racismo e preconceitos.  

É muito desperdício de vida. 






29 de agosto de 2024

VIVÊNCIAS DA INFÂNCIA


 


- Tais Luso de Carvalho


Estávamos, eu e Pedro conversando sobre nossos medos na infância e de nossos aprontes. Somos de uma geração que teve infância, geração de crianças mais saudáveis que sonhavam com aventuras, brinquedos e que aprontavam um monte - aquela coisa de moleque.

Mas nossa geração também teve algumas coisas muito esquisitas. Muitas crianças - e não sei qual a razão -, iam junto com os pais para os velórios dos familiares, questão de educação, de nossa cultura, sei lá... 

Bem, após eu  ter aprontado muito, quando  criança, após ter apertado em dezenas de campainhas dos apartamentos do meu bairro e sair correndo com as amiguinhas, depois de ouvir a mulherada berrar quem é, quem é? Chegou o dia do troco: comparecer a um  velório. 

Tá bom; lá fui eu... Santa Madre!! Levei  meses pra voltar a dormir... Fui chegando e dei de cara com os sapatos do mortinho: marrom, já meio chumbado. Tive a sensação que aqueles sapatos também morreram. Não teriam mais condições de andar. Lembro que pensei naquele momento: Nossa Senhora, como deve ter caminhado esse sapatinho!  

Lembro que fiquei olhando o caixão: duas velas enormes prestavam sua homenagem àquele falecido de mãos brancas  e cruzadas sobre o peito. E a viúva beijando com ternura o gélido rosto. 

Notei muitos abraços e soluços ali por perto, enquanto nos distantes cantos, abertos sorrisos. Eu não estava na idade de entender o espírito da coisa, de entender o ser humano na sua essência, só achei tudo muito estranho: num canto morava a tristeza; no outro, sorrisos meio contidos, o social!  Eu não sabia que se podia rir em velórios...

E continuei ali,  explorando um mundo desconhecido. Levantava os olhos e via muita gente chorando, aquela cena não era para criança.  Tentaram me acalmar...  Pô: vi uma criatura deitada, fria, de mãos cruzadas, de sapato surrado gente soluçando ao redor e queriam que eu me acalmasse? Fiquei chocada. Tiraram-me dali  e me deram um chazinho, balinhas e muito carinho na sala reservada aos parentes.

Mas tudo passa, e hoje dá pra encarar um corpo sem vida, constatar o fim de tudo. Ou o começo...  Dá para filosofar, tentar entender ou não entender nada da finitude. O que é possível é tentar confortar os parentes que ficam na mais profunda dor.

Mas que esse momento da despedida  faz um estrago na nossa cabeça, não tenho dúvida. Aceitar e lidar com isso tudo é muito difícil, não é pra qualquer cabeça. É coisa que só a Fé é capaz de  apaziguar os corações em sofrimento.  E tentar entender um pouco da coisa.

É um processo muito doloroso, mas acaba nos fortalecendo. Mas o mistério, sempre continuará.






19 de agosto de 2024

O NOSSO RELÓGIO

 


      - Taís Luso de Carvalho


      Apesar de termos vários reloginhos espalhados pela casa, hoje um deles me tocou de uma forma sentimental. Eu não sabia que um relógio despertaria em mim tamanho carinho - logo um relógio que marca tempo, que deixa nossa vida mais louca. Mas comigo essas coisas são possíveis.

E hoje, após o café da manhã, finquei meus olhos num relógio em cima de um baú na sala - ele fazia tudo: badalava, cantava, rebolava e marcava o tempo.

Lembro que esse reloginho sempre gostou de trabalhar. De badalar! E, por ser assim, tão "cheguei" e tão intrometido, resolvemos desativá-lo. E assim ficou por anos. Ficou apenas como enfeite, sem obrigações, pois badalava de hora em hora, um tanto irritante.

Olhei, pensei e resolvi lhe colocar umas pilhas para que voltasse à vida. Tão bonito! No começo rateou, não queria nada com o trabalho, os ponteiros se mexiam e paravam, acostumou-se ao abandono, a uma vida discreta, apenas observando os seus companheiros neuróticos, espalhados por outros cantos da sala. Essa obsessão por relógios é do Pedro, o meu ilustre.

Bem, já arrumadinho para começar o dia, o relógio deu sua primeira saudação com 10 badaladas - eram 10 horas - parecia um sino de igreja medieval. Eu estava no computador, ouvi as badaladas e corri à sala.

Pedro!!! Olha o reloginho badalando, coitadinho…

Pedro foi à sala, pegamos o relógio como se fosse um bichinho de estimação. Ficamos com ele até a última badalada. Voltou à vida!

Voltei emocionada para o computador e com um nó na garganta, abri a tela branca. Ué…o que teria acontecido comigo? Por que esse sentimentalismo com um relógio? Será alguma culpa por tê-lo deixado solitário e não termos curtido suas badaladas? Pode ser... culpa pelo abandono, talvez seja isso.

Busquei o coitadinho e o coloquei aqui na minha estante do gabinete, assim terá a companhia de livros, CDs, terá música, televisão e santinhos barrocos para protegê-lo… Não ficará mais sozinho, a solidão deve tê-lo machucado um pouco.

Pois é, meu dia começou assim, muito sentimental, coisa surreal. Talvez um reloginho faça a gente pensar mais na vida. Pensar nos "abandonados"...

Agora está aqui, rodeado de coisas - na vidinha dele. E feliz, talvez. Está naquele seu tic-tac enlouquecido. Não o tirarei mais de sua função.

Nunca imaginei fazer uma crônica para um relógio. Por pouco não saiu uma carta de amor, à moda antiga.


 





9 de agosto de 2024

SONETO DE FIDELIDADE - Vinícius de Morais

Metéora -  formação rochosa na Grécia  Central



SONETO DE FIDELIDADE - Vinícius de Morais



De tudo ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.



Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.



E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama



E possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.


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 Livro dos Sonetos - Vinícius de Morais - 

 Companhia das Letras, 1991. São Paulo

 





28 de julho de 2024

MAIS ANOS DE VIDA!


 


                    - Tais Luso de Carvalho

De vez em quando vejo no meu blog alguns comentários em crônicas escritas há anos, e naturalmente vejo os rostinhos das pessoas que lá deixaram algum parecer, na época. E numa daquelas postagens revi uma leitora - sempre muito carinhosa em seus comentários -, mas naquele ano, faleceu. Cliquei no blog dela, e lá ficou  um pedacinho de sua vida,  uma postagem que se refere ao 'seu' tempo.

Saí de lá com pesar. Tão jovem e cheia de sonhos! Vi seu rosto alegre e não deu outra: comecei a pensar no tempo que temos. E ao meu lado, meu som tocando Chanson D'enfance, cantado pela Sarah Brightman. 

Por que nós, humanos, muitos reconhecidos como gênios, temos um tempo tão curto, enquanto uma tartaruga vai além dos 180 anos, e naquele seu passinho indolente?

Usamos nosso curto tempo para tantas discussões, tanto exibicionismo, disputas idiotas, intromissões na vida alheia, tantas mentiras, arrogância e uma enorme ganância - coisa muito na moda atualmente.

Nossa espécie caiu num enorme vazio, consequência demasiada da valorização e dependência excessiva da opinião dos outros. Nossa vida é exposta 24 horas em redes sociais - do simples café da manhã até um jantar mais elaborado. E outras coisas mais.

Uns dizem aos outros:

- Tira aí uma Selfie e toca  na 'rede', amiga! Vai ser um sucesso!

E nem falo nas inúmeras cirurgias desnecessárias: bota bochecha, tira bochecha, bumbum, seios, lábios, coxas, costelas, dentes brilhantes, lipoaspiração, etc. etc.

Ninguém gosta muito de pensar no tempo, dá um certo desconforto, entendo, mas penso o que alguém faria com uns bilhões de reais, dólares ou seja lá o que for, zanzando por aí em mãos que não são as donas legítimas da grana! Roubam para outras gerações se beneficiarem. Seria cômico se não fosse trágico. Cadê o tempo para gastarem essa grana meio 'na moita'?

Não me passa pela cabeça o que eu faria com esse dinheiro. Não tenho grandes sonhos materiais. Para mim, e para o mundo inteiro,  gostaria de algo que nenhuma grana compra:  o tempo que vivem as tartarugas! Seria ótimo, um bom tempo para o aprendizado com tudo e com todos. Tempo para entender nossa espécie e viver a vida de uma maneira mais saudável.

Gastaria meus inúmeros anos numa confortável casa, numa Serra Gaúcha, sentindo o sol, as montanhas, acompanhando e ajudando nas descobertas que beneficiassem a humanidade; viveria feliz e  discretamente. E mais: tenho certeza que faria algo pelos animais: compraria um bom terreno para abrigar todos os animais maltratados, doentes e abandonados que chegassem ao meu conhecimento. Teriam casa, comida e carinho.

Todos eles atartarugando em paz e felizes!  Mais do que isso... pra quê?








16 de julho de 2024

VIVEMOS NUM MUNDO LOUCO

 



                        - Taís Luso de Carvalho


         Ao sair pela manhã, passo por uma calçada e vejo a mesma senhora trabalhando defronte a loja, vendendo planos da Funerária, ali situada. Cada vez que passo nessa calçada a mulher me oferece dois planos: Sepultura ou Cremação. Nesse último dia chegou mais perto para me falar das vantagens de um e outro. Acelero o passo e faço um sinal que não quero saber! Coitada, vender planos funerários diariamente é dose pra Mamute. É insistente, mas escapo dela.

Mais adiante, defronte a uma casa de chocolates, de ótima marca, uma moça fica oferecendo um mimo aos que passam, uma caixinha, toda enfeitada, com 6 bombons - estão inaugurando a nova loja. De um lado, a Funerária, do outro bombons!

Sim, tudo muito louco, dois polos opostos: um rechaça, o outro atrai. Assim é esse mundinho que não nos acostumamos, parece que vivemos ora no céu, ora no inferno.

Chego em casa, ligo a televisão e notícias das mais variadas e para todos os gostos. A televisão é a maior vitrine de variedades do mundo: viagens maravilhosas pelo mundo inteiro, namorados que se amam, mas também se matam. Cruzeiros em navios fantásticos visitando as mais belas cidades do mundo. Milhões de pessoas imbuídas da mais bela solidariedade que existe, que se entregam para ajudar os outros, em atos maravilhosos como aconteceu aqui no Rio Grande do Sul devido a trágica enchente no mês de maio, nunca vista no Brasil. Virei só emoção com tal gesto humano do povo Brasileiro, de norte a sul, e muitos outros povos, nada tão lindo, tão comovente. Porém, em outros momentos vejo o horror das Guerras da Rússia e Ucrânia, de Israel e o Hamas, também referido como conflito Israel-Gaza. Que ser humano é esse que não reconheço? Quanta brutalidade. Serão, mesmo, seres humanos?

Mudei de canal para descansar! No jornal da noite a repórter da TV faz sua matéria em uma loja de Departamentos, abordou uma senhora humilde chorando com uma bonequinha nas mãos. A repórter perguntou-lhe por que aquelas lágrimas e a bonequinha nas suas mãos...Dos altos dos seus 70 anos ela contou que nunca havia ganhado uma bonequinha na sua vida, e ela estava fazendo 70 anos! A repórter ficou muito comovida, saiu um pouco dali e voltou com uma boneca de presente para a senhora. A emoção, as lágrimas alcançaram a produção do Jornal que estava junto e a todos que viram aquele momento pela televisão. Não esquecerei a emoção vista numa senhora tão humilde, e que não sabemos como foi sua vida. Lógico, minhas lágrimas também apareceram.

E assim vamos vivendo muitas emoções entre tantas brutalidades, disputas por poder, por terras, tantas guerras estúpidas que nos aterrorizam diariamente, que matam inocentes, mulheres e crianças, tantas maldades, e que fazem frente a um outro mundo: mundo de amor, de doação, de solidariedade intensa.

E fica a perplexidade de não termos a compreensão, de não entendermos esse ser humano tão igual na sua criação, em sua matéria, e tão diferente na sua essência; tão carrasco, tão criminoso... mas também, tão maravilhoso. É muito difícil viver assim. São muitos altos e baixos. Muitos contrastes a vivenciarmos.

Sem dúvida, vivemos num Mundo muito louco e confuso.

Ora nos aterroriza e nos desilude ao extremo; ora nos emociona tanto que nos faz acreditar, que um dia teremos um Mundo maravilhoso.

Mas não, jamais teremos! Tenho idade para não me iludir mais.







9 de julho de 2024

PEDIDO DE ADOÇÃO / Adélia Prado

Adélia Prado - Prêmio Camões 2024


PEDIDO DE ADOÇÃO / Adélia Prado


Estou com muita saudade

de ter mãe,

pele vincada,

cabelos para trás,

os dedos cheios de nós,

tão velha,

quase podendo ser a mãe de Deus

— não fosse tão pecadora.

Mas esta velha sou eu,

minha mãe morreu moça,

os olhos cheios de brilho,

a cara cheia de susto.

Ó meu Deus, pensava

que só de crianças se falava:

as órfãs.

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Prado, Adélia

Oráculos de Maio / Adélia Prado – São Paulo

Siciliano, 1999 – pág 59 / 4ª edição


Nascida em 1935, cidade mineira de Divinópolis / Minas Gerais, Adélia é formada em  Filosofia.

O estilo original e tocante da poesia de Adélia Prado está mais uma vez presente nessa sua obra Oráculos de Maio que privilegia a religiosidade, a reflexão e a memória. A forma com que ela consegue dar valor às coisas simples, comove o amante da poesia e o presenteia com a força da comunhão de suas palavras.

A poesia de Adélia evidencia o tom coloquial e o registro oral, sua linguagem desprendida transfigura o uso vulgar da língua numa manifestação verbal fecunda e única. Obras da autora:

Poesia Reunida 1990

Solte os Cachorros 1991

Cacos para um Vitral 1991

Os Componentes da Banda 1991

O Homem da Mão Seca  1994

Oráculos de Maio 1999

Manuscritos de Felipa 1999

                                                                          Pedido de Adoção - pág. 59


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