21 de maio de 2011

CARTA AOS MORTOS / Affonso Romano de Sant'Anna

Jacek Yerka / surrealismo



        Amigos, nada mudou 
        em essência. 
        Os salários mal dão para os gastos, 
        as guerras não terminaram 
        e há vírus novos e terríveis, 
        embora o avanço da medicina. 
        Volta e meia um vizinho 
        tomba morto por questão de amor. 
        Há filmes interessantes, é verdade, 
        e como sempre, mulheres portentosas 
        nos seduzem com suas bocas e pernas, 
        mas em matéria de amor 
        não inventamos nenhuma posição nova. 
        Alguns cosmonautas ficam no espaço 
        seis meses ou mais, testando a engrenagem 
        e a solidão. 
        Em cada olimpíada há récordes previstos 
        e nos países, avanços e recuos sociais. 
        Mas nenhum pássaro mudou seu canto 
        com a modernidade. 


        Reencenamos as mesmas tragédias gregas, 
        relemos o Quixote, e a primavera 
        chega pontualmente cada ano. 


        Alguns hábitos, rios e florestas 
        se perderam. 
        Ninguém mais coloca cadeiras na calçada 
        ou toma a fresca da tarde, 
        mas temos máquinas velocíssimas 
        que nos dispensam de pensar. 


        Sobre o desaparecimento dos dinossauros 
        e a formação das galáxias 
        não avançamos nada. 
        Roupas vão e voltam com as modas. 
        Governos fortes caem, outros se levantam, 
        países se dividem 
        e as formigas e abelhas continuam 
        fiéis ao seu trabalho. 


        Nada mudou em essência. 


        Cantamos parabéns nas festas, 
        discutimos futebol na esquina 
        morremos em estúpidos desastres 
        e volta e meia 
        um de nós olha o céu quando estrelado 
        com o mesmo pasmo das cavernas. 
        E cada geração , insolente, 
        continua a achar 
        que vive no ápice da história.



Coleção "Poesia Falada".



31 comentários:

  1. Claro que o tema é de hoje....Tão de hoje, que acabei de ver os Astronautas em video-conferência com o Papa...
    Adorei a escolha do Post.
    Beijo

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  2. Lindo querida!
    Verdade! Devemos aprender com a natureza.
    Beijos e bom sábado!
    Carla

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  3. Muito este texto. Você vai lendo e confirmando cada ato.
    Um beijo grande

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  4. É como pegar a gente de calças arriadas. Achamo-nos tão sabios, tão avançados e, em verdade,somos ainda seres das cavernas.

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  5. Realmente! Achamos que tudo sabemos, quando na realidade não sabemos de nada. Belo post amiga. Ótima escolha.

    Beijos e ótimo domingo pra ti e para os teus.

    Furtado.

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  6. Aqui termina a minha história então. Adeus mundo cruel! hahaha!

    A gente se delicia com a beleza do poema e se deprime com a dureza da realidade que ele retrata. Coisas de geniais da palavra escrita. O Afonso Romano é fantástico!

    Abração, Tais. paz e bem.

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  7. Taís,

    lindo post, atual, verdadeiro e sábio.
    Adorei, ótima escolha.
    Bom domingo minha amiga.
    Suzana Drummond

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  8. Muito boa escolha. Adorei a carta.
    beijos

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  9. Tais, que lindo este Blog .
    Sempre visito o de arte .Parabéns!!
    Realmente sua alma é de " artista",li todos textos, achei muito interessante e ricos.
    Paz no coração!
    bjs

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  10. TAIS...amei a sua postagem.
    Nada de novo.Não paramos para pensar nisso.
    Se queremos algo novo, a atirude partir de cada um de nós. Somos a mudança que queremos no mundo.
    Mas alguns vão dizer..de que me adianta a mudança ser só minha?
    Não é só sua. Existe um efeito dominó que não percebemos.
    Façamos cada a nossa parte. Despretenciosamente. Sem esperarmos nada em trovca.
    Não sou uma "Alice no pais das Maravilhas". Apenas tento fazer a minha lição de casa.
    Pelo menos eu durmo com a conciencia tranquila.
    Um super beijo carinhoso!!

    MA Ferreira

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  11. Maravilhoso!
    "Nada mudou" , o hoje apenas desloca algumas coisas para passar uma sensassão de ilusão; a fome continua; os vazios; a ganância; a corrida pelas novas descobertas; maquiagens cada vez mais milagrosas e os jovens continuam vivendo como se fossem os únicos e que nunca envelhecerão"

    Bjs amiga e abençoada semana.

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  12. Olá Tais
    Quanta verdade em um só texto. Tudo muda o tempo todo, mas como esses mudanças, nos fazem mais humanos?
    Tenha uma linda semana
    Bjux

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  13. Ele está certíssimo, todas as gerações que passaram e passarão, vão achar que vivem na melhor época do mundo. O homem se enche de avanços e novidades, no entanto, a natureza acompanha toda a transformação alheia ao que acontece. Não somos nada diante deste mundo tão poderoso!

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  14. Adorei o texto.A realidade da modernidade que nos deixa perplexos, na verdade como diz o poeta Affonso Romano, na sua essência continua a mesma.Parabéns pelo Post.Abraços Eloah

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  15. Sou, extremamente, suspeita para comentar qualquer coisa do Affonso Romano, não consigo ser imparcial...rsrsrs...No mínimo, sagaz!
    Belo Post. Beijo e boa semana!

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  16. Bom dia
    Como tudo isto é verdade e se repete.
    Mas todos os dias as coisas são novas e os olhares são diferentes.

    Cada palavra é nova e embora repetida nunca terá o mesmo som, vibração, velocidade ou o carinho de outras vezes.

    Cada repetição pode ser mais alegre ou triste dependendo do nosso estado de espírito ou da nossa necessidade.

    Agradeço a sua passagem no lidacoelho.

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  17. Esta sua escolha foi espetacular. Verdade, nada mudou, na natureza nada muda, mas tudo mudou no homem.

    Lindo, muito lindo.

    Beijinho.

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  18. Anônimo17:34

    Um comediante daqui, Lewis Black, tem uma performance muito interessante. Ele diz que sempre foi muito esperancoso, e que com a idade, as esperancas dele nao morreram, so mudaram (ele e um comediante bem pessimista). Ele diz que tem certeza de que tudo que espera (em termos de melhorias sociais e governamentais) certamente se concretara... Um dia apos sua morte. rsrs

    Beijos

    Roy

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  19. Estamos sempre aprendendo e mudar é o mais difícil para o ser humano, mas essencial!!
    Beijo Lisette.

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  20. Nada vai mudar em essência se não mudarmos a nossa essência. Muito bom.

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  21. Anônimo15:42

    Interessante esta carta.
    Pensei em duas situações o estado de a carta ser endereçada: aos mortos que morreram ou aos mortos que estão vivos, rs.

    Aos mortos que estão mortos, apenas um desabafo, visto que eles nada sabem mesmo e nem tão pouco saberão, pois suas memórias jaz no esquecimento.
    Todavia pensei aos mortos que ainda estão vivos e que estão escondidos em cavernas, bom seria que eles saissem para conhecer a realidade que o mundo vive, apesar das grandes evoluções globalizadas, como diz a autora nada mudou. Realmente nada mudou em relação aos menos favorecidos, mas cada momento muda em acréssimo para a classe elitizada.
    Ah! quanta saudade do tempo das cadeiras nas calçadas, das brincadeiras de rodas que eram ao ar livre, hoje elas acontecem por trás das grades, é assim que se encontra a humanidade, vivendo em jaulas.
    Muito interessabnte esse texto (carta) em forma poética. (Carta aos mortos). Para´bens.

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  22. Amiga, essa é uma carta aos mortos-vivos, - porém, quando a gente a lê não se dá conta dessa condição... E a história vai se repetindo...

    Bela escolha, amiga!

    Bjs, querida. Inté!

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  23. Affonso Romano sabe das coisas, texto super atual que nos remete a uma bem humorada reflexão. Querida, obrigada por retornar meu email, vc me deixou mais tranquila. Vamos aguardar que essa fase passe rapidinho e que os nossos seguidores apareçam novamente em nosso painel..Beijos.

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  24. Vira e mexe, nada muda, tudo com dantes... Pudéssemos, já mortos, saber da vida, queria receber uma carta dessas, mas só se fosse dele...é dos melhores, incrívelmente extraordinário...
    Lembro-me dele, quando dirigia a Biblioteca Nacional,suas palestras são um espetáculo de cultura e sabedoria.
    Excelente, a escolha da crônica.
    Vou seguir, este Porto (seguro)...

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  25. Oi, Tais,eu já tinha clicado "seguir",mas não funcionou, só agora, meu retratinho entrou no painel.
    "Seguição" mútua,portanto...
    Grata, por ter estado na Cadeirinha,voltarei,vez em quando.
    Beijo

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  26. Querida Tais..
    Dei uma passadinha para desejar a você um lindo final de semana.Agradeço aos seus comentários sempre tão gentis em mei blog.
    Eu ja comentei esta bela postagem mais acima.

    Bj

    Ma

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  27. Uma mistura de sátira, crítica, poesia, lirismo envolto por uma espécie de polemização. Concordo plenamente. Parabéns pelo post e pelo blog.

    Beijos,
    Débora.

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  28. Lindo, poético e inteligente, como tudo que este nosso poeta escreve.
    Bjs.

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  29. Muito interessante o blog !

    É bom ver cada dia que passa mais originalidade nessa Blogosfera
    HAHA ;) !

    Deixo o meu aqui caso queira dar uma olhada, seguir...;

    www.bolgdoano.blogspot.com

    Muito Obrigada, desde já !

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  30. Achei interessante a forma como desmistifica, tais versos, aquela imagem de céu transparente. Mas entendemos que a carta aos mortos não tem o objetivo certamente de informá-los sobre o que mudou e o que não mudou. É como se a carta fosse escrita pelo eu lírico, e fosse aberta por nós antes de chegar ao seu destino... E então sentiremos a palavra muito mais forte quando ele diz aos que insistimos ser o ápice da história do que se a carta fosse diretamente para nós.
    Adorei.

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    1. Exatamente, Fellipe, a carta foi escrita para os vivos-futuro mortos. Já foi dito tudo nos comentários, aliás todos ótimos. E vamos vestir a carapuça... Está na medida.

      beijos, bom você aqui!

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Muito obrigada pelo seu comentário
Abraços a todos
Taís