UMA CRIATURA
Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas
Com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz impresso na fronte o obscuro despotismo;
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.
Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta de colibri, como gosta de verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.
Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as suas forças dobra.
Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a morte; eu direi que é a vida.
Que a si mesma devora os membros e as entranhas
Com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz impresso na fronte o obscuro despotismo;
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.
Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta de colibri, como gosta de verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.
Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as suas forças dobra.
Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a morte; eu direi que é a vida.
Assis, Machado de, 1839-1908
O Almada & outros poemas / Machado de Assis – São Paulo
Globo, 1997, - (obras completas de Machado de Assis)
p.126.
Taís,
ResponderExcluirObrigada pela visita!!! Fiquei honrada!
Sou uma adoradora de literatura e humilde pretensa a escrever...
Ando meio "sensível" ultimamente, como diz minha mãe, então tenho me posto a escrever...
É a forma que encontrei de me expressar...
E vim retribuir a visita! Aos poucos irei conhecendo o seu "Porto das Crônicas".
Obrigada novamente,
da amiga
Luar.
Esse poema tem uma fechada no último verso, que só mesmo Machado de Assis...
ResponderExcluirParabéns pelo requinte e bom gosto!