- Tais Luso
O
sol estava manso e amigo, brilhava sem agredir. Sem perder muito
tempo, dei uma caprichada no visual: um batonzinho, brincos, jeans e
um bolsão
pesado
cheio de inutilidades. E para
fechar com chave de ouro, um tenebroso salto 8,
bico fino. Assim, minha amiga e eu nos enfiamos dentro do shopping
onde nunca se nota quando cai o dia e quando entra a noite.
Após
andarmos pelas
300 lojas, finalmente aportamos num simpático Bistrô. Já um pouco
acabada, em cima daquele maldito salto, eu não sentia mais minhas
pernas: elas não obedeciam mais a nenhum comando, levavam meu corpo
sem elegância e apenas marchavam tentando acompanhar minha amiga com
suas pernas de ganso, enormes.
Mas
voltando ao Bistrô, um garçom cheio de dentes e abrindo um sorriso
pra lá de generoso,
veio nos atender. Fizemos o pedido. Na espera, comecei a olhar para
as mesas mais próximas. Na
mesa ao lado, havia um
animado grupo de
amigas da 3ª
idade. Mulheres
de todos os tamanhos, pesos e medidas; com rostos de sapecas e outras
de santinhas. Porém, o assunto era um só: doença!
Nessa
mesa estavam sentadas uma magricela muito falante, uma gordinha
alegre - , uma ruiva quase careca e uma louraça tipo 'cheguei'.
Como conversavam! Contavam, com detalhes, todas as suas doenças,
suas inúmeras cirurgias, recuperações e sequelas.
Após esgotarem todas as lamúrias, as
simpáticas amigas trouxeram à tona as doenças dos outros, e num
tom choroso, dengoso.
Mas logo depois ficavam eufóricas novamente. Era tudo muito
esquisito.
Minutos
mais tarde, chegou mais uma: parecia ser a mocinha da turma, talvez
pelo seu estilo um pouco desnorteado. Seus cabelos eram escuros e
repicados, tipo os sertanejos Chitão
e Xororó - há 20 anos. Usava
enormes argolas douradas que ornamentavam
suas grandes orelhas. Saracoteava
dentro do vestido indiano, multicolorido,
mas gostei dela, não passou apagada.
Após
ouvir as amigas falarem sobre tantas doenças, fiquei um pouco deprê.
Larguei meus pensamentos
e ciente da minha fragilidade olhei para minha amiga. Fiquei
surpresa, pensei
que ela estivesse se divertindo com as histórias
das 'meninas'. Minha
amiga estava pálida, deitada no espaldar da cadeira,
parecendo uma boneca de cera. Escutou todo
o fuxico delas,
todas as doenças e sequelas.
Esqueci
que minha
amiga
era por demais suscetível a este tipo de assunto. Um pouco nervosa,
chamei aquele garçom cheio de dentes e de sorriso generoso.
Pedi
um café
bem
forte
e
levei minha amiga para longe dali, perto de alguns adolescentes que
riam muito,
mas
sem um motivo aparente.
Pouco
depois, já recuperadas, saímos
do shopping e encontramos um outro tipo de crepúsculo: o crepúsculo
da natureza! Era radiante: o sol estava se pondo, mas em seu lugar se
instalava uma grande esfera branca e iluminada, esperando o momento
de emprestar sua luz à escuridão da noite. Notava-se nesta esfera
uma maturidade silenciosa, austera, enigmática e de grande beleza.
Na
volta, ao chegar em casa, vim direto à tela do computador para
deixar registrado os dois crepúsculos que comparei num curto espaço
de tempo: o do ser humano, com todas as suas nuanças incertas e
inseguras, e o crepúsculo da natureza – único, calmo, misterioso
e extremamente belo.
_____________________________
Foto de Carol Munhoz - Pôr do sol no Guaíba
Taís, como sempre maravilhosa em suas escritas, amei...a gente vive cada segundo vivido por vcs, imagina cada personagem, e como sempre as vezes as coisas sérias, "macabras", se tornam comédias...depois do fato passado, pois como seres humanos,somos mto "engraçados", quando levados por emoções, idéias, fatos, e momentos, e nem nos damos conta, porque estamos alí, porque percorremos tal caminho, porque aqueles saltos tão altos?
ResponderExcluirAdorei, mesmo sem à conhecer a imagino, e vejo em vc mta verdade, vc é como é, sem rodeios.
E no final vc fechou com chave de ouro...acredito eu, que em td na vida, sempre tem um lado positivo, q/talvez na hora não vemos, e depois até descobrimos que a gente precisa, daquilo, para nos levar a algum lugar...e vc foi perfeita.
Parabéns! Amiga! Bjocas.
Taís,
ResponderExcluirSempre que leio tuas crônicas, me emociono com algumas e me divirto com outras...essa, aparentemente trágica (amiga como consegues se equilibrar num salto 9?rrrsss!), acaba virando uma comédia, com toda a humanidade e sensibilidade que só você sabe colocar...adorei, a idosa/moleca da roupa indiana...rrrsss!
bjs
Pois é... Velhos gostam de falar de doenças e até vejo uma certa disputa para saber quem é o mais doente, quem sente mais dores. Freud diz que quanto mais afirmamos um assunto, mas o recusamos, é uma espécie de autodefesa. Ou seja, quando eu digo que NÂO tenho medo da morte, o meu inconsciente diz que eu sou apavorada pela morte. E esse crepúsculo é a única certeza que temos quanto a nossa natureza tão frágil, o outro é o ocaso que está nos planos cotidiano de Deus.
ResponderExcluirBjkas doces e bom fim de semana.
Adorei sua crônica!
ResponderExcluirMe fez um leve sorriso no rosto ao fantasiar as
"antigas senhoras" reunidas a volta da mesa falando
de doenças e cirurgias.Fato verdadeiro;nesta idade
é só o que falam.Ah e bolsa contêiner eu achei uma boa
definição para as bolsas de "nós mulheres". rs
Beijo e bom fim de semana.
Nossa Taís que crônica é esta? Um convite à vida! Todas as sensações, o desencanto, a busca, a superação eu li aqui. Você em poucas palavras conseguiu traçar o perfil da terceira idade com muita sabedoria e aprimorou com um fechamento crepuscular de arrepiar.
ResponderExcluirMais uma crônica sensacional.
Bjs.
Nada como compararmo-nos ao crepúsculo da natureza, pois o crepúsculo humano é rigorosamente cruel...
ResponderExcluirBj. Célia.
Mas....tudo faz parte da vida....E é essa diversidade que
ResponderExcluirnos alimenta....Por aqui somos mais modestos e é nos bancos
dos jardins, que a representação decorre..
bfs
Beijo
Limerique
ResponderExcluirMelhor idade, apenas uma crença
Expressão que não admite avença
Porque velho como eu
Já sabe, já percebeu
Que tema se resume a doença.
Nooooossa, sem dúvida alguma o crepúsculo da natureza é beeeeeeeeeeeeeeeeeeem melhor !!! Linda crônica! beijos,chica
ResponderExcluirQue linda crônica amiga.Triste constatação.O Ser humano em vez de aproveitar as benesses de um belo passeio e a conversa entre amigas e viver a plenitude deste momento, traz a tona doenças e tristezas.Ah! a natureza é mais sábia - sempre a nos brindar com sua beleza .Belo texto!
ResponderExcluirFelicidades, sempre.Bjs Eloah
Taís Interesante comparación sobre “los crepúsculos”, el de la vida y el de la naturaleza.
ResponderExcluirEsa conversación de amigas “maduras” presumiendo de sus dolencias, es un reflejo de que las conversaciones en cada edad se adaptan a ella: Las jóvenes presumirían de conquistas, las madres de hijos, las mayores de enfermedades y si nos fijamos, en todos los temas se trata de ser la que más trofeos ha vivido. La vida es una gran competición en todos los momentos.
Las mujeres creo que nos reunimos más para hablar de cosas simples y diarias de nuestras vidas.
Muy bonita la foto de la puesta de sol. Felicidades.
Un fuerte abrazo
ResponderExcluirOlá Taís,
Fiquei me imaginando de salto 9, bico fino, andando pelas lojas de um shopping. Aff! É judiar demais dos pés-rsrs.
Creio que a maioria das pessoas nesta fase crepuscular da vida têm o tema 'doença' como preferido. Vejo isto pelos idosos com os quais convivo, inclusive a minha mãe. Tenho horror de que fiquem falando comigo sobre doenças, mas procuro compreender, pois não sei como estarei procedendo quando lá chegar. Peço a Deus que me mantenha com interesses outros a ocupar a minha mente para não desenvolver este sádico prazer.
A cena descrita foi hilária do ponto de vista da narrativa. Tenho certeza de que chamaria a atenção de qualquer um que estivesse por perto.
Com certeza, o outro crepúsculo descrito, o da natureza, é bem mais belo de contemplar.
Linda crônica.
É sempre um prazer te ler.
Beijo.
Ja Passei dos 60 anos e, naturalmente, tive ao longo da vida alguns problemas de saude - quem não os teve algum dia? - mas jamais fico lembrando disso nem conversando sobre tal coisa. É que coisas negativas e ruins não me interessam. Acho que falar aos outros sobre meus raros problemas de saude é deprimente pra eles e pra mim.Não sei se por ter sido professor muitos anos e ter lido e estudado praticamente de tudo, minha mente funciona um pouco diferente da maioria, mas deetsto essa conversas e se alguem começa a se lamuriar eu digo logo prara consultar um medico porque eu não entendo nada de doenças. Qual seria uma boa explicação para essa mania de doenças que acomete muitos idosos? Eu nãos ei porque não sofro desse mal0 graças a Deus_ nem vou comentar que ha 15 dias fiz uma cirurgia de catarata que correu maravilhosamente e que estou em plena forma vusual. è isso. Adorei sua cronica.
ResponderExcluirLindíssima crônica, Tais! Estou admirado com esses dois crepúsculos num dia só: um prato cheio para um cronista. E o resultado foi magnífico.
ResponderExcluirNão gosto muito de falar em doenças. Porque o assunto nunca é sobre uma gripe, coisa que a aspirina dá um jeito. Quando alguém começa com doença, pode esperar que é sobre câncer. E a nossa empatia se torna um sentimento muito mais forte. O coração fica apertado, a mente refuta a crueldade da doença. E quando você vê, esse assunto foi lançado numa roda de entretenimento. Preferiria conversar em como fazer pessoas com câncer se sentirem felizes, apesar de todo o sofrimento. Sempre existe um sorriso guardado, pronto para ser usado.
Adorei o cabelo tipo Xitãozinho e Xororó - Me veio as fotos de família na cabeça rsrsrs
Mais uma vez, lindo demais!
Beijo, boa semana.
Olá querida amiga Tais, adorável crônica, ao estilo Tais...me acho muito colono, não sou chegado em shopping, meio claustrofóbico, e, eu nunca sei como esta lá fora, é angustiante. Amei a comparação, ficou perfeita, os crepúsculos, o da vida e o da nossa vida. Sempre que vejo um grupo de idosas (as mulheres são mais irmãs, diria Angela RoRo rs), raros são os homens no meio (acho que morremos primeiro rs), bem, o assunto ficou bem claro neste post, mas o que sempre me chama a atenção desses grupos, são as risadas, adoro vovós risonhas. Obrigado Sra. Luso, por mais este prazer de leitura que me proporcionaste.
ResponderExcluirps. Meu carinho meu respeito meu abraço.
Realmente Tais! Geralmente, quando em certos lugares imperam pessoas da terceira idade, costumam imperar também todo tipo de doença. Bela crônica amiga.
ResponderExcluirAbraços,
Furtado.
Taís, fiquei pensando se ao chegarmos à idade daquelas amigas também não estaremos falando nos mesmos assuntos, afinal, pela lógica, conversamos sobre o que alegra ou incomoda mais em cada fase da vida. Enquanto isso, prefiro curtir o crepúsculo da natureza, poético e incomparavelmente inspirador.
ResponderExcluirParabéns pelo texto, um primor!
Beijos
É incrível como pessoas idosas gostam de falar de doenças...Será que ficaremos assim também? kkkkkkk
ResponderExcluirPrefiro o segundo crepúsculo!
Beijão
Olá, Taís!
ResponderExcluirBela crônica!!!
Particularmente prefiro o crepúsculo da natureza. Fujo destas conversas sobre doenças!Só fazem mal. Xô energia negativa!!rs
Beijos!
Ame a vida e os bons amigos, pois a vida é curta e os bons amigos são poucos.
ResponderExcluirTe desejo um ótimo fim de semana beijinhos.
O por do sol no Gauíba é um espetáculo à parte, tenho fotos lindas e recordações inesquecíveis desse cenário maravilhoso.
ResponderExcluirAdorei a analogia dos dois crepúsculos, a riqueza de detalhes me pôs à mesa com vcs, ouvindo e observando esta triste realidade, assim como senti a noite ganhar a luminosidade da lua que resplandecia no céu... vc me mantém cativa de teu carinho, talento e carisma!
Beijos, Tais, ótimo fds!
Tais, entendo sua amiga. Não gosto que fiquem falando de doenças perto de mim. Que bom que puderam admirar o outro crepúsculo, que só nos mostra beleza. Bjs.
ResponderExcluirTais, estou simplesmente encantada com seus escritos. Fiquei pensando: ela deve ter livros publicados! Adorei o crepúsculo do Sol, que estou numa idade crepuscular!
ResponderExcluirLindo Tais - tal qual sua frase final. 'Único, calmo, misterioso e extremamente belo'.
ResponderExcluirOLá Taís, confesso que ri bastante com suas colocações... A vida celebrada das diversas formas. Gostei imenso da sua maravilhosa crônica, desopilei meu fígado!
ResponderExcluirBom final semana.
Grata pela visita.
Bjss!
Tais!
ResponderExcluirA vida é o melhor tesouro. Não há patamar para usufruir desta ou daquela delícia.Pode ser um pôr do sol ou, no raiar da aurora.
A vida vive-se em contínuo.
Saibamos usufruir de tudo o que nos faz bem.
"comer bem" para vivermos melhor.
No conjunto do "comer bem", nunca excluir a temperança, muito menos a alegria de viver .Pois, é , os meus néctares comem-se e os licores artesanais da minha mulher também. Aliás, desenhei um que ofereci a sua Santidade o Papa em 2017 e, imagine, a minha mulher a partir daí, mesmo sem ser uma devota da Nossa Senhora de Fátima, lembrou-se de fazer concorrência .Conclusão; depois de mais de 20 qualidades de licores tenho garantido um complemento de vida de, pelo menos mais de 30 anos.
Que investimento a prazo?!
Convido-a a visitar a minha amiga Maria Helena no "Pintar o sete com a vida".Onde, para contrariar as coisas menos boas da vida, debitava um poema por dia.
Bem haja, pelo seu optimismo.