5 de junho de 2023

UMA VIDA MUITO ATRAPALHADA





   - Taís Luso de Carvalho             

                            

Filó, assim chamada, era uma vendedora de produtos de beleza. Mas além de espalhafatosa, tinha uma voz rouca e forte. Seus braços eram verdadeiras alegorias, quando ela se descontrolava. Quando surtava. Usava muito a expressão “com certeza” para preencher o vazio que ficava no ar. Não possuía credibilidade para vender produtos de beleza, pois seus cabelos eram desgrenhados e sua pele era oleosa, o que delatava relaxamento. Pois é, a vida estava ficando difícil para Filó.

Aguentava-se do pouquinho do que tinha aplicado em Banco - na Poupança - e do Seguro desemprego. Mas gostava de conhecer coisas novas. E resolveram, um dia, ela e seu marido Astolfo visitarem o MARGS (Museu do Estado do Rio Grande do Sul).

E lá foram eles ver a exposição de Marc Chagall, mas sem terem a mínima noção quem era o artista, onde nasceu, como viveu. O mundo das artes não era o mundo deles. Mas como tudo tem um começo, iniciaram o tour pelo Museu.

Filó deslizava pelos salões olhando aquele mundo diferente. Balançava a cabeça como num ato de aprovação, como se estivesse entendendo as profundezas do artista. Achava tudo genial sem saber o porquê. E Astolfo quase indo às lágrimas, concordava com o falso entusiasmo da sua mulher.

Lá pelas tantas, Filó perguntou a um grupo de visitantes:

- Cadê o Chagall, eu quero cumprimentá-lo!!

Que horror; era óbvio que todos olharam perplexos para a retardada criatura. De onde havia saído aquela mulher? Era a pergunta que percorria os salões.

Decepcionados por não terem conhecido Chagall, os dois ilustres visitantes foram embora. Mas visitaram outras exposições, gostavam dos ambientes requintados e cultos que envolviam as artes.

Outra, entre muitas visitas, foi numa conceituada Galeria, onde havia uma exposição de arte moderna. Lá estava o casal para o Vernissage, mas já aparentando melhor desenvoltura. Mais comedidos nos seus palpites e em suas manifestações. Mais discretos.

Dois garçons serviam um champanhe de boa safra e apetitosos canapés. Filó e Astolfo deram uma voltinha pelas salas, olhando com esmero os abstratos e discutindo o porquê dos traços, das cores e das pinceladas dramáticas vindas do inconsciente do artista. Após a visita, saíram à francesa. Uma bela noite, por certo.

Nessas inúmeras visitas foram pegando traquejo, informações e conhecimentos de um mundo até então desconhecido. E, por força das circunstâncias, aprenderam a se comportar melhor nessas ocasiões. Filó concluiu que se ficasse mais calada, passaria por uma connaisseur. Sentia essa necessidade pela sua própria insegurança.

Através de um programa do governo, Filó conseguiu montar sua pequena empresa, a sonhada Coquetel em Artes, especializada em coquetéis para exposições e lançamentos literários - como constava no seu Folder.

Tornou-se mais traquejada no trato com as pessoas e seus braços ficaram mais comportados, gesticulava com parcimônia. E jamais cometeria novamente o deslize de querer conhecer pessoalmente Marc Chagall, artista nascido em Vitebsk, Bielorrússia , no ano de 1887.

Deu-se conta, portanto, de que se fazia necessário, para o bom andamento da Coquetel em Artes, manter-se bastante discreta. Aliás, na vida, ser discreto é luxo.





       ___________  Marc Chagall - Das Artes  ___________
     ( 1ª ed. 2016)
     






26 comentários:

  1. Ainda ontem comentava com a minha mulher o facto de nunca ter gostado de mulheres espalhafatosas.
    Elegância é o oposto.
    Beijo, boa semana

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  2. A Filó aprendeu a ser discreta. "Na vida ser discreta é um luxo". Mas nem toda a gente consegue, porque é preciso inteligência. Imbuída de um certo humor, é um prazer ler esta sua crónica que fala de uma pessoa igual a tantas que conheço.
    Tudo de bom minha Amiga Taís.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  3. Muito legal e das gafes e espalhafatos de Filó, surgiu uma mulher empreendedora e deve ter feito sucesso com o Coquetel em Artes... Que bom que ela e Astolfo aprenderam na vida... Há quem nunca aprenda nada e continua a frequentar os mais variados lugares...
    Linda semana, beijos, chica

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  4. Olá, amiga Tais,
    Crónica muito interessante. Onde descreve com todos os pormenores, quanto a ignorância em relação à arte, faz parecer ridícula, qualquer observação sobre a mesma é seu autor.
    Mas é mesmo assim, quando não conhecemos nada sobre o que estamos a observar. Mas por outro lado, esse espanto, acabou por ser muito útil no futuro dessas pessoas.
    Excelente crónica, minha amiga.
    Gostei muito de ler.
    Votos de uma excelente semana, com muita saúde.
    Beijinhos, com carinho e amizade.

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com

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  5. Nadie nace con conocimientos y esta persona no ha tenido acceso a una buena educación. Ahora la experiencia de la vida, le ha dado la mejor lección.
    Que tengas una excelente semana. Un abrazo

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  6. jajajajajaja ¡Qué personajes, Filo y Astolfo! Filo aprendió a ser discreta, todo un logro. ¡Parabens! pero aprender sobre arte y artistas le vendría muy bien. Abraijos

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  7. Es muy importante la cautela y la discreción. A veces, es mejor no hacer comentarios.
    Así, se puede evitar pasar malos momentos.
    Estupendo tu escrito y, como siempre, con una gran reflexión.
    Un beso. Feliz mes de Junio.

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  8. Muito bom! Haja discrição na vida!

    Beijinhos e boa semana!

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  9. Olá, querida amiga Taís!
    O 'com certeza' se popularizou de tal modo que dá um aspecto conotativo pejorativo até, em certas ocasiões... soa esquisito como você soube bem dar o enfoque adequado...
    A discrição, o se comportar melhor são frutos de conhecimentos e práticas comportamentais que adquirimos nos locais onde exteriorizamos o que somos de verdade... fingirmos estereótipos não dá certo, em muitos casos...
    Ela foi ganhado traquejo no trato com os demais e foi se 'domesticando'... muito bom!
    Vejo como muito pior do que Filó, os que não queremos mudar de jeito nenhum e morremos com nossos complexos de Gabriela.
    A parcimônia é um requintado modo de ser, gestos delicados são indispensáveis, mas que sejam provenientes do coração comedido (não por disfarces temperamentais), cairá bem em qualquer ambiente e lugar público.
    Você sabe que vemos por aí, perto de nós, estabanados com os próximos e 'gente fina' com os estranhos... rs...
    Também vemos pessoas de vida atrapalhadas que se tornam verdadeiras damas e tal...
    Fui lendo sua crônica e passeando pelas pessoas e modos de serem.
    Muito boa sua percepção aguçada, amiga.
    Serve de espelho para nós, seus leitores... dá pontuação... desperta consciência.
    Quando me pego falando alto, eu mesma me assusto... respiro e dou uma trégua...
    temos que nos remodelar, emendar, vez por outra para nosso conforto conosco mesmo, em primeiríssimo lugar.
    Adorei.
    Tive que rir quando ela quis conhecer o artista na exposição...
    Tenha uma nova semana abençoada!
    Beijinhos

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  10. Taís, mas que bom chegar ao fim da divertida crónica e encontrar um final feliz!
    assim se aprende na vida, com as vivências e com os próprios erros,
    nunca se afogar na fatalidade ou em palpites de mau agouro!
    que os museus e as vernissagens continuem a ser local de prazer e de êxitos profissionais!
    boa semana amiga,

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  11. Rogério V. Pereira05/06/2023, 19:05

    Gostei bastante deste teu texto. Dele retiro uma conclusão, que aponta como relevante o facto de, se uma família, pobre e inculta que seja, ousar vencer a timidez e a condição que a afasta do mundo das artes, pode, aconter mudar tudo isso e passar a ser o que nunca pensara ser: pessoas que admiram Chagal

    Liiiindo, Taís

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  12. Pobrecita logro mejorar en la vida pero tuvo que dejar parte de ella. Te mando un beso.

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  13. Bom dia Tais
    Achei a sua crónica muito interessante e seja ficção ou não, traz bons ensinamentos.
    As voltas que a vida dá.
    Parabéns e obrigada pela partilha.
    Boa semana.
    Beijinhos
    :)

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  14. Una buena crónica y muy bien relatada amiga Tais. Ese no era su mundo y saber comportarse y estar e incluso entender no siempre está al alcance de todos. Pero ella, en su afán de aprender y asistiendo a ciertos eventos, terminó captando la esencia y el magnetismo de todo cuanto en ese mundo envuelve y rodea. Entender de arte es más complicado, pero saber estar y comportarse son dotes que se pueden adquirir si la persona es algo despierta y ella al final lo consiguió y se encontraba a gusto en ese mundo que al principio le resultaba tan lejano.
    Un gran abrazo amiga Tais y feliz resto de semana.

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  15. Muito boa a sua crônica, como sempre tens imaginação e percepção, discrição é luxo e se aprende, que bom que a Filó e seu marido aprenderam e se deram bem!
    Amei ler !
    Abraços apertados sempre, parabéns pelo texto, muito bem escrito!

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  16. Bom dia, Tais
    Ótima crônica, ser modesta nas atitudes da vida é valioso demais, um forte abraço.

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  17. Una bonita historia en la que nos narras lo que hacen aquellas personas que quieren aparentar la que no son.

    Saludos.

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  18. Adorei a sua divertida crônica, querida Taís.
    Fiquei com pena da Filó mas ótimo que se deu conta que devia se manter discreta.
    Um beijinho carinhoso.
    Verena,

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  19. Tras una complicada travesía, aquí estamos de nuevo, amiga Tais.

    Disfrutando de tu relato, o más bien crónica, de cómo adaptarse a unas circunstancias a las que no se estaba preparado. La llave para conseguirlo tiene mucho del sabio consejo que me dio mi madre sobre cómo actuar cuando la vida te coloca en un determinado lugar del que desconoces las maneras y cultura del ambiente. “Nunca debes acobardarte ante un reto. Ante la duda de cómo comportarte, siempre discreción y naturalidad”, me dijo. (La novedad era ir invitada, a mis diecisiete años, a un restaurante de mucho nivel famoso por su cocina de marisco, pescados muy difíciles de manejar con cierta dignidad).
    Un abrazo.

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  20. Olá, amiga Tais,
    Passando por aqui, para desejar um feliz fim de semana, com muita saúde.
    Beijinhos, com carinho e amizade.

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com

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  21. Gostei muito uma crônica, uma narração que ficção ou não, nos traz boas mensagens sobre comportamentos e de formas de aprendizagem. Animador final. Bjsss, boa noite.

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  22. Taís,
    Adorei passear em sua
    escrita.
    A vida é feita de aprendizados
    e devemos como a personagem
    estarmos prontos para
    nos adaptarmos.
    Encantada deixo
    Bjins de um domingo calmo.
    CatiahoAlc.

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  23. Olá, amiga Tais,
    Passando por aqui, para desejar uma ótima semana, com muita saúde.
    Beijinhos, com carinho e amizade.

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com

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  24. esplicita relflexión donde el ser humano guiado por el afán
    del que diran se ve sometido a dejar de si lo que realmente
    nos da vida , trasforman el no ser por su apremiante aparentar
    un puzzle del qie dentro es muy dificil de solventar , como le bella
    ilustrción del prologo Tais donde la maraña de tejados no circula
    ni el agua tras llover ...me encantó leerte Tais , feliz semana , vuestro
    amigo , mis aludos . jr.

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  25. Querida Tais,
    A vida e o tempo nos ensinam muitas coisas, principalmente a tentar corrigir erros do passado e nos tornar pessoas melhores. Na história a Filó é uma mulher sem muita noção que aos poucos vai aprendendo a se tornar uma pessoa mais consciente e comedida, isso fez toda a diferença na vida dela. Assim é com muitas pessoas que passam boa parte da sua vida batendo cabeça por escolhas erradas, mas que percebem em determinado momento que precisam mudar o seu comportamento e serem pessoas mais assertivas. Uma bela crônica como sempre, eu adorei ler e te dou os parabéns pelo texto.
    Te desejo uma ótima semana.
    Um beijo!

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Muito obrigada pelo seu comentário
Abraços a todos
Taís