16 de novembro de 2010

MORRER COM DIGNIDADE


ciência e caridade 1897 / Picasso

- por  Tais Luso de Carvalho 

Moro perto de um hospital e também de um parque. Duas realidades que me mostram o ser humano num momento feliz e no outro momento, a luta. De um lado a exuberância da natureza; do outro lado, longe dos jacarandás e dos Ipês se vê o setor de emergência: sofrimento, desgraça, súplica e a certeza de que não se tem muito tempo pra sonhar.

Não tenho nenhum problema com a morte, mas não diria o mesmo se sofresse dor física: sofrer para depois morrer. Não dá para entender que com tanta tecnologia descoberta e aprimorada, quando em segundos nos comunicamos com o mundo inteiro, quando satélites nos enviam fotos e dados com precisão, há pessoas que morrem com sofrimento, ainda. Falo do ser humano independentemente de sua classe social.

Não dá pra admitir que se espere por um milagre quando não há a mínima chance de cura, e que se aplique ao paciente um sofrimento adicional; que se atrase o seu último suspiro pelo fato de seu médico achar que deva prolongar ao máximo sua vida, mesmo levando o paciente a um sofrimento físico e psíquico. Penso que esta é a hora de humanizar a morte, de não tê-la tão pesada, se assim posso dizer.

Estamos no século XXI e temos o direito de saber de nossa saúde, das nossas possibilidades de cura, dos efeitos de um tratamento, enfim.

Pensando assim, já foi criado um documento – pela classe médica -, Termo de Consentimento Informado (TCI), que assegura ao paciente o conhecimento de sua situação. O que todos nós queremos e procuramos é um profissional ético e humano; não cabe mais ao médico decidir sozinho o caminho a ser trilhado pelo paciente.

Existe certa polêmica em torno de três fatos bem conhecidos:

Um é sobre a Eutanásia - prática pelo qual se abrevia a vida de um paciente, de maneira assistida, e o induzem ao estado de coma para que não sofra. Existe a Eutanásia ativa e passiva; na primeira hipótese é vista como um suicídio assistido – uma pessoa que executa, e a passiva é o próprio paciente que provoca seu fim, apesar de ter ajuda de terceiros.

A outra é a Distanásia, que consiste em atrasar o momento da morte, usando de todos os meios, mesmo não havendo esperança, apenas para manter o paciente vivo o maior tempo possível.

A literatura norte-americana utiliza o termo 'tratamento fútil' como sinônimo de distanásia.

Já os franceses consideram tal conduta como sendo 'encarniçamento terapêutico', ou seja, a utilização de medidas desproporcionais que postergam a morte, sem que se ofereça ao paciente qualquer qualidade de vida. Mediante a aplicação de tais medidas acrescentam-se dias ou horas de vida, em detrimento da perda de dignidade do ente próximo da morte.

- Sérgio Ibiapina F. Costa / Médico, professsor de Bioética do curso de Direito do Instituto Camillo Filho.

A Ortotanásia - significa ‘morte correta’. Seria não usar de aparelhos ou de meios para prolongar a vida – que já não tem nenhuma chance -, mas paliativos para evitar sofrimentos. Para que o paciente morra sem dor.

Morrer já é um fato desesperador, por que não dar ao ser humano condições de paz e de escolha? Não entendo por que se deva prolongar a vida de alguém em sofrimento.

Morrer com dignidade é um ato de compaixão e de humanidade; uma demonstração máxima de amor por aqueles que amamos a vida inteira. Quem suporta ver alguém sofrer em prol de uma ética, de religião ou qualquer outra coisa que seja?

Que me perdoem os que têm outra visão a esse respeito, mas não aceito que argumentos éticos, morais ou religiosos possam justificar o prolongamento da dor.




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22 comentários:

  1. Olá amiga! Concordo plenamente, inclusive, lembrou-me uma conversa que tive com dois sobrinhos médicos, após o falecimento de uma irmã minha lá em Recife, portadora de câncer na cabeça e, segundo eles, a mesma sofreu dores horríveis antes da morte. Então, falei pra eles que se eu chegasse ao ponto de sofrimento sem a mínima chance de cura, daria um jeito de acabar com a minha vida. Resultado: fui bastante censurado.

    Beijos e muita paz pra ti e para os teus.

    Furtado.

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  2. Concordo que devemos poder escolher em ter uma morte digna e não ficar vegetando ligados às máquinas.

    beijos,lindo dia!chica

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  3. Para mim é um assunto complicado, pois o amor que temos pela a doença enferma acaba alimentando uma esperança que ele vai se curar (mesmo que seja literamente depedente de um milagre para o restabelecimento da pessoa doente).

    Não sabia da Ortotanásia, mas acredito que nela também seja utiliza drogas para aliviar as dor dos pacientes.

    Fique com Deus, menina Tais Luso.
    Um abraço.

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  4. Concordo totalmente com você, Tais. Queria eu ter escrito este artigo. Perfeito.

    Aliás, a morte e o sofrimento humano são meus assuntos centrais. Não porque gosto, ao contrário. São meus assuntos pois são as grandes indagações filosóficas que trago dentro de mim. Um grande POR QUÊ? que parece estar sempre presente. Sou um indignado com relação à morte e ao sofrimento humano, em especial o sofrimento a que o homem individualista e perverso submete o seu igual.

    Sempre gosto de lembrar que, neste exato instante, há gente nos velórios... Gente como eu e você, alguém que de repente atendeu a um telefonema e soube que a mulher havia tomado um tiro de um bandido e morrido... E ninguém aí com isso.

    Parabéns pelo texto, Tais. Espero que um dia, pelo menos, possamos decidir realmente sobre essas questões, sem falsos moralismos.

    bjo
    Cesar

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  5. Concordo com você Tais.A morte em sí já carrega consigo um momento definitivo e portanto angustiante.
    Por que prolongá-la quando nada mais há de se evitar?
    É um assunto polêmico e muito discutido.As visões são muitas e portanto questionáveis.Gostei do texto.Parabéns pela sinceridade! Bjs Eloah

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  6. Texto *****.

    Condenados à morte, condenados à vida, eis duas certezas .

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  7. Tudo bem explicado.....Cada um que tenha a sua opinião...eu sempre tive a mesma...dignidade na doença para além do admissível,...Faça-se a vontade do paciente...sem mais...
    Beijo

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  8. Eu também não suporto sentir dor - seja física ou emocional.
    Não sou especialista no assunto mas penso como você que é "menos penoso" uma morte digna diante do inevitável.

    Obrigada pelo texto esclarecedor (Conheço bem o hospital que descreves... )

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  9. Olá, Tais. Eu tinha publicado um artigo sobre o assunto no ano passado e lhe digo que a minha opinião vai ao encontro da sua também. Já até avisei aqui em casa que, caso ocorra algum sofrimento desse tipo comigo (e se eu não tiver condição de fazê-lo, que me tirem os tubos). Meu abraço. paz e bem.

    PS: Caso queira dar uma olhada, está aqui:

    http://uaimundo.blogspot.com/2009/02/eutanasia.html

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  10. Eu acho um tema extremamente delicado, pq. esbarra em valores, crenças, culturas, visões de mundo e experiências individuais. Eu, por exemplo, temo a dor da morte, mas não concordo com nenhuma forma de eutanásia e suas variações, porque acredito em milagres. E isso explica todo meu ponto de vista.

    Um beeeijo,

    Saudade tava daqui

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  11. Minha monografia de final de graduação foi sobre o enfrentamento da morte. Eu aprendi umas poucas coisas sobre isso e descobri que o não aceitar a morte do outro é uma maneira de negar a nossa própria morte. É uma forma de dizer que podemos vencer uma batalha, que já nasce definida.

    Mas, bem, no final das contas, quem é que tem as respostas, né?

    Amei o texto.
    Beijos

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  12. Taís, se um dia eu estiver na condição de paciente terminal espero ter em mãos esse seu texto para entregar uma cópia para os médicos e outra para a família.
    Você é sensível e corajosa.
    Gostei do quadro - é de Picasso e se chama "ciência e caridade" o "médico" do quadro é o pai do pintor que na ocasião tinha apenas 16 anos e já pintava aquilo tudo!
    Um grande abraço
    Antonio Machado

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  13. Antonio Machado, muito obrigada, suas palavras me comoveram.

    Também agradeço por ter me enviado o autor da obra, realmente Picasso a pintou com 16 anos, incentivado pelo seu pai. Começou pintando os temas que agradavam na época.

    Bjs / tais

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  14. Olá amiga! Passando para agradecer pela honrosa visita, bem como, as palavras amáveis deixadas no seu comentário sobre a nossa comemoração de segundo aniversário. Gostaria de poder continuar contando com o seu valioso apoio que somente me incentiva e me fortalece.

    Muito obrigado e fique certa que a recíproca é e será sempre verdadeira.

    Linda quinta-feira pra ti.

    Abraços e que DEUS nos abençoe.

    Furtado.

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  15. Esse é um assunto bem complicado mas foi tratado com bastante clareza por você. É um assunto que deveria ser debatido com seriedade até porque se gasta muito tentando prolongar a vida de paciente terminais dinheiro que poderia salvar muitas outras vidas... Meu unico medo é dos erros médico no Brasil,mas essa já é outra história.

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  16. Olá, Tais!

    Adorei seus blogs! Palmas! Palmas! Parabéns!

    Abs!

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  17. Anônimo19:42

    Ola Taís!

    Ótimo post. Parabéns.

    Sou a favor da ortotanásia. Morrer com dignidade, antes de ser ato de compaixão e de humanidade, deveria ser um direito que todos nós deveriamos ter. Mas, infelizmente, nessas horas, o egoísmo é nossa mola mestra. A ‘morte correta', ao meu ver é a melhor solução para aqueles casos em que não há mais chances de vida. Só paliativos para evitar as dores, para uma morte sem dor. E no caso de morte clínica, onde o paciente se transforma num vegetal, então nem se fala!

    Prolongar a vida de alguém só em nome de meus valores, de minha saudade, de minhas crenças, de meu egoísmo? Não concordo. Não faz sentido prolongar o sofrimento de ninguém, não temos esse direito. É desumano, perverso.

    Mas enfim, esse é um assunto que ainda tem muito que evoluir, muito pano pra manga.
    Bjssssss

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  18. Oi, Taís. Voltei. rs Estava me preparando pra seleção de doutorado da UFPE e fiquei off por um tempo. Olha... Gostei do tema explorado. Foi uma atitude corajosa tratar um tema ainda tabu e envolto em crenças, moralidades e silêncios. Por isso mesmo tocá-lo, colocá-lo em discussão é arriscar-se a acender o pavio da polêmica. Concordo com o teólogo Leonardo Boff quando diz que devemos pensar a realidade e não os catecismos e, a partir dessa assertiva, penso que só a realidade pode nos dar a justa medida do sofrimento do outro e a correspondente atitude em relação a ele. É isso. Abraço.

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  19. Penso que não se deve abreviar um instante que seja. E da mesma forma, não aumentar um instante que seja.
    Enquanto o organismo funcionar, POR SI, vamos em frente...
    Mas, mais que a preocupação do "abreviar/estender", seria interessante que as pessoas conhecessem o "Livro Tibetano dos Mortos", que auxilia a compreender a "hora".

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  20. Tais,
    Gostei demais da crônica, quero ressaltar o trecho: "Morrer já é um fato desesperador, por que não dar ao ser humano condições de paz e de escolha? Não entendo por que se deva prolongar a vida de alguém em sofrimento". E esclareço que já deixei meus filhos e minha mulher autorizados e me deixar morrer se eu me encontrar numa UTI sem esperança de cura. Sou a favor da Ortotanásia. Bom domino, JAIR.

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  21. Tais, uma postagem colocada há quase cinco anos e ainda tão atual e, me atrevo a dizer, que a posição das pessoas pouco, ou nada, evoluiu.
    É tema cujo debate é de enorme importância para todo ser humano e que gera tanta polémica, derivada de n fatores.

    bj amg

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  22. Gostei de Picasso "ciência e caridade" fica bem com as suas palavras.
    Também eu não tenho qualquer problema com a morte.
    Mas se um dia estiver numa situação de doença terminal ou vegetativa. não quero continuar num prolongamento de vida "forçada".
    Este é um tema muito controverso.
    Respeito a opinião de todos, mas para mim, vida só por inteiro.
    Brisas doces **

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Muito obrigada pelo seu comentário
Abraços a todos
Taís