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Taís luso de Carvalho
Mexendo
no meu baú, entre tantas coisas guardadas, reli essa conversa que
tive com meu pai há muitos anos. Há 10 anos ele faleceu, mas já vinha doente. Para minha surpresa ele tinha
passado nossa conversa para o papel. E com imensa saudade transcrevo essa conversa nesse blog que tem muito de mim. Conversávamos sobre a vida, sobre aborto, divórcio, dogmas, fé e tantas outras coisas. Sua fé era
enorme. Uma fé que eu respeitava e admirava tanto quanto suas
ideias. Às vezes discordávamos; outras tínhamos afinidade.
Ele começou assim - sorrindo: Era uma vez...
Ele começou assim - sorrindo: Era uma vez...
Sim,
pai, eu me lembro do “era uma vez”... era um tempo em que me
contavas histórias sem pé nem cabeça. Tudo inventado, e eu
acreditava! Mas ainda não tinhas cabelos brancos, e eu era criança.
Mas agora, olha lá o que vais inventar...
É
verdade, filha, o tempo foi passando, passando. Mas é bom que o
homem às vezes, deixa-se ficar à janela do tempo contemplando a
vida. É tão breve o espaço no qual se sucedem auroras e
crepúsculos que nem mesmo se percebe a profundeza nele encerrada.
Como passa o tempo e como passam as coisas! - tornam-se cada vez mais
fugazes os momentos que nos são dados e é certamente por isso
mesmo que o seu valor é inestimável. Cada minuto, passa para
sempre.
Estás
triste, pai?
Minha
filha, hoje vive-se com uma filosofia de vida de quem acredita que o
seu tempo jamais terminará. O simples deter-se em tais paragens do
pensamento significa algo que recende a morbidez e que rouba à
criatura humana a alegria de viver. Contudo, atrás dessa imprudente
corrida para o efêmero talvez se esconda, na verdade, um medo de
pensar na realidade.
Talvez
a vida ofereça tantas oportunidades de fruição do prazer, e porque
sobre cada ser humano paire a sombra da possibilidade duma terrível
hecatombe nuclear, as pessoas, como numa alucinação, apegam-se
desesperadamente ao instante que passa, como a dizer-lhe: não te
vás...espera...
Debruçados
à janela do tempo veem quão longe já vão seus sonhos e como é
breve a vida.
Vou
contar-te uma historinha, filha: há poucos dias encontrava-me numa
calçada, caminhando com certa dificuldade, pois vinha daquela
recente cirurgia, quando um menino, irritado talvez pela minha
vagareza, desviou-se de mim e disse: É, os velhinhos, às vezes,
custam muito a caminhar!
Suas
palavras, mal sabia ele, foram como um bálsamo em minha impaciência
pós-operatória e permitiram-me pensar como são inseguros e
passageiros os valores sobre os quais, com tanta confiança,
assentamos os fundamentos do edifício da nossa vida, e que julgamos
definitivos, inabaláveis e eternos. Às vezes, quando estamos bem,
somos vítimas de uma ilusão de eternidade no qual tudo se afigura
como se jamais fosse terminar. Ah! Os meninos... às vezes têm tanta
pressa...
Pai,
eu não gosto de te ver assim, gosto daquele pai otimista... Estou preocupada contigo, pai! O que está havendo? Onde está aquela tua força?
Veja,
filha, é preciso deixarmo-nos submergir no eterno para sentir que a
beleza, a sabedoria e a vida só se chega no encontro pessoal com a
verdade. É nela que descobrimos como é breve o tempo que medeia
entre o berço e o túmulo.
Mas
pai, parece que a felicidade é algo quase inalcançável!
O
conceito de felicidade, minha filha, ao redor do qual as pessoas,
muitas vezes fazem girar suas vidas, é essencialmente baseado na
satisfação do ter, do poder e do gozar, os quais como sabemos, são
realidades muito efêmeras, mas que nem por isso deixam de ser
capazes de distrair os menos avisados e fazê-los perder o verdadeiro
sentido da vida. O homem não é um ser que passa sem história e sem
destino e é nisso que está sua bem-aventurança ou... a sua
desgraça.
Pai,
acho que não vou dormir esta noite! Sei onde queres chegar...
Filha,
tudo um dia terminará, menos nós. Presunção, dirão alguns;
prudência, pensarão outros. Todavia não desertemos da verdadeira
vida. Não nos deixemos envolver pela falácia do mundo e pela
deificação do efêmero.
A
verdadeira alegria de viver está na paz e na verdade, e a verdade é
Deus, minha filha.
Pai,
estou com medo... estou pensando nesse dia que estás falando...
Lembro
que fiquei abraçada com meu pai e chorei.
Chorei. Ele me consolava. E ali demonstrou que sempre teve alegria de viver, apesar de já saber...
Soneto-acróstico
ResponderExcluirVida passageira
E se à vida não prestamos atenção
Sabemos que ela solene se escoa
Se dias e semanas passando estão
Assim mesmo continuamos na boa.
Viver apressado numa dura rotina
Indica que achamos estar vivendo
Deve ser bom tudo que se imagina
A nosso futuro mais que tremendo.
É muito curta a vida, curta-a então
Coloque meses dentro de um dia
Um ano passará como um furacão.
Requeira da existência só alegria
Trate do positivo, mas evite o não
A cada evento trate com ousadia.
Vida e morte
ResponderExcluirVida não é um caminho deserto
É circo animado, pelo contrário.
Que não se esconde no armário
E as tentações vigem por perto.
Não negligencie sua existência
Pois será a única que você tem
E não viverá a vida de ninguém
Pois mais que prometa a ciência.
Então, quando a última hora soa
E aquele fio de alento se escoa,
Não lamente num triste gemido,
Essa bênção agradeça à natureza,
Que lhe ofereceu com toda certeza,
Suprema dádiva de bem ter vivido.
Fiquei arrepiada ao te ler,Tais! Que linda conversa essa e quantas verdades e sabedoria nela contida. Uma pai que sabe ver a hora aproximar-se...Triste e linda conversa! beijos, ótimo domingo! chica
ResponderExcluirDifícil comentar tão rico e íntimo diálogo entre pai e filha amorosos e situados na finitude e na fragilidade da vida... Emocionou-me!
ResponderExcluirAbraço de um feliz domingo, Taís!
MUY BONITO, CONSTRUCTIVO Y REFLEXIVO EL MENSAJE DE TU PADRE.
ResponderExcluirABRAZOS
La felicidad es muy relativa, para muchos necesitan mucho y para otros tan poco.
ResponderExcluirUn sueño de los buenos recuerdos con tu papá.
Besos.
Querida Taís
ResponderExcluirFiquei em estado de comoção ao ler as sábias palavras do seu paizinho, um homem que passou pela vida e colheu o que melhor ela podia lhe ofertar o discernimento e a fé e delas extraiu os momentos da felicidade que soube com maestria passar para a filha amada num diálogo permeado de emoção e sabedoria
Uma linda semana querida amiga
Beijos
Taisinha,
ResponderExcluirNão apenas conhecia esse texto, no qual teu pai contigo conversa, como conheço muitos outros textos da autoria dele, que estão publicados em seus livros, em todos mostrando a sua preocupação com a felicidade das pessoas, nas suas vidas com a família, como no preparo que, segundo ele, devem todos ter com a salvação de suas almas.
Uma bela homenagem a tua, não apenas para o pai, mas também para quem pregava a paz e a necessidade de que devem todos se aproximar de Deus.
Um beijinho daqui do escritório.
Algo muy especial he sentido al leer esta íntima “Alegría de Vivir” que has compartido con todos nosotros.
ResponderExcluirLos años pasan y como bien dices, guardamos en nuestro baúl de la memoria esas vivencias que, en su día quizás no les dimos la importancia adecuada.
Lo único importante que dejamos en esta vida, es que nos recuerden por nuestros actos con la familia y la sociedad, y por tu escrito veo que tu padre te dejo una bella herencia.
No sabía estés en recuperación de una cirugía. Te deseo una pronta recuperación total. ¡Animo!
Un fuerte abrazo amiga Tais
Querida Amélia, essa conversa com meu pai - que postei aqui - tem 'mais' de 10 anos. Ele escreveu em seu 'Diário' no dia em que conversamos. Era ele que estava se recuperando de uma cirurgia. Algum tempo depois da conversa, veio a falecer.
ExcluirBeijo pra você.
Ja se dizia William Shakespeare...
ResponderExcluirA alegria evita mil males e prolonga a vida.
Não sei... Se a vida é curta Ou longa demais pra nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: Colo que acolhe, braço que envolve,palavra que conforta,
silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais. Mas que seja intensa, verdadeira, pura... Enquanto durar...
Tais Passo dias e horas sem escrever uma unica frase, por que neste meio tempo gosto de me isolar no meu mundinho, onde fico a ler grossos livros...
A cede de aprendizado é sempre grande na expectativa daquilo que nossos pais nos deixaram como base de aprendizado, dando-nos sentido aos nossos primeiros passos...
big bj.... desejo a vc e aos demais do seu lar um ótimo final de semana, com um recomeço ainda maior
Querida Taís hoje foi dia, aliás noite para me emocionar primeiro com o poema de Pedro e depois com sua homenagem a seu pai,mostrando um testamento de amor infinito, fé e sabedoria de seu pai para você.Lindo texto amiga.
ResponderExcluirMuita paz, beijinhos, Léah
Seu pai era um sábio pois falou apenas o que a vida é...Principalmente quando os passos estão no fim da caminhada e ele isso pressentia... Me emocionei !!! Beijos querida, linda semana pra vc !
ResponderExcluirBom dia querida Tais.
ResponderExcluirUm dialogo emocionalmente, cheio de profundas verdades, que nós mostrou que teve um grande Pai, que soube passar passar pela vida deixando o amor como a sua marca registrada, que soube da valor as coisas que são realmente valiosas, como Deus, família, e a viver cada minuto sem pressa, sentindo cada minuto vivido. Aonde ele esteja sei que está orgulhoso de ter passado para você sábios valores. Pela sua forma de ser sei que é uma grande pessoa, uma pessoa integra e iluminada. Uma feliz semana para vocês, enorme abraço.
Cara amiga Tais, pois quase choro, na verdade seguro as lágrimas, ao finalizar a leitura deste post. Sei que nada acontece por acaso, neste existência, tudo tem uma explicação ainda que a desconheçamos, então à medida que me detinha no pensamento do vosso pai, via a analogia no vosso posicionamento diante do mundo. Que bom quando seguimos as boas lições transmitidas por nossos ancestrais.
ResponderExcluirUm abraço. Tenhas uma linda semana
Bela homenagem ao seu pai, Tais!
ResponderExcluirSuas lembranças remexem nossos baús e nos relembramos também!
Obrigado pela postagem!
Beijos!
Comovente, Taís. São palavras que correm lentamente pelo nosso corpo, pelas nossas margens como se fossem um rio. Pelas memórias, já sabemos que foi uma bela lição de vida.
ResponderExcluirAbr.,
Tais, um diálogo onde a sabedoria e a fé de seu pai se mostram evidentes. Ele entendia a efemeridade das coisas, sem dor, alertando apenas para a a tolice de uma felicidade não fundada no que é realmente importante. Ele pressentia o fim, algo que , compreensivelmente, lhe provocava dor. Sua postagem emociona, pois nos mostra vida real. Gostei demais. Bjs.
ResponderExcluirOI TAÍS!
ResponderExcluirESTIVE NO " DAS ARTES" E VI TUA POSTAGEM COM AS PINTURAS DE W. TURNER, FAZIA TEMPO QUE EU NÃO DAVA UMA "CHEGADA" POR LÁ.
AMIGA, QUE MARAVILHA, A SABEDORIA DE TEU PAI, ME LEVOU A PENSAR NO MEU "VELHINHO" QUE HÁ MUITO JÁ SE FOI, MAS DO QUAL GUARDO MUITA SAUDADE PORQUE, ERA UM FILÓSOFO DA VIDA TAMBÉM E ME PERDIA EM LONGAS CONVERSAS COM ELE, SEMPRE REPLETAS DE VERDADES.
ME EMOCIONEI HOJE AQUI.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Um diálogo bem delicioso.
ResponderExcluirE fiquei com a ideia, por estas poucas palavras, que o seu pai era um homem bom, para além de sábio e filósofo.
Bom resto de semana, querida amiga Tais.
Beijo.
Caramba! Publicação riquíssima.
ResponderExcluirCadinho RoCo
Querida Taís,
ResponderExcluirQuero te agradecer pela preciosidade desta tua partilha,
que homem sábio e poético o teu pai, belíssimo o diálogo,
uma riqueza de humanidade e fé!...
A imagem é belíssima também e na harmonia deste caminhar
pela paz e valores essenciais na ética de viver...
Apreciei muito esta leitura aqui!!
Beijo.
Que lindo dialogo Taís, uma preparação para as certezas da vida.
ResponderExcluirUm repassar de sabedoria muito terno.
Que bom partilhar conosco este momento impar na sua vida.
Carinhoso abraço amiga.
Bjs
Sempre aprendemos algo com os mais velhos... Pena que os jovens não tem paciência para ouvi-los com atenção.
ResponderExcluirTriste e bonita essa saudade .
Beijos, Taís!!!
Estou comovida amiga Taís.
ResponderExcluirO seu pai era um sábio da vida e este seu testemunho, que é uma verdadeira homenagem, prova o quanto ela sabia e o quanto lhe transmitiu.
Alcançar no fim da vida essa paz, deve ser tão bom.
Um beijinho comovido
Fê
Cara Taís
ResponderExcluirVim visitar-te e tive a sorte de chegar a ti com este texto, acho que o mais lindo que escreves-te com a colaboração de seu rico paí. É muito marcante, filosófico e o ideal é fazer mais de uma leitura para não perder tantos conceitos.
Lembrou-me Quintana quando ele diz "é muito bom o homem ficar à janela do tempo contemplando a vida".
Lindo texto, é como um bálsamo, uma lição de vida, que só poderia ser dado por alguém que muito viveu e que soube viver com sabedoria.
Abraços
Minha querida amiga Tais, atravesso uma má fase em minha vida, onde questionamentos me travam e me levam a um profundo de mim que quase nem conheço, e neste amontoado de tudo sobre minha vida, sofro por não ver nem ter esperanças para a felicidade, para mim, motivo essencial para se permanecer vivo de verdade, então chego aqui e fico deverás comovido com este post, uma imensa saudade de meu pai reaparece com tanta força...mas encontrei aqui palavras que farão a diferença no meu dia, na minha vida:
ResponderExcluir"O conceito de felicidade, minha filha, ao redor do qual as pessoas, muitas vezes fazem girar suas vidas, é essencialmente baseado na satisfação do ter, do poder e do gozar, os quais como sabemos, são realidades muito efêmeras, mas que nem por isso deixam de ser capazes de distrair os menos avisados e fazê-los perder o verdadeiro sentido da vida. O homem não é um ser que passa sem história e sem destino e é nisso que está sua bem-aventurança ou... a sua desgraça."
ps. Carinho respeito e abraço.
Que conversa comovente, Tais!... Repleta de sabedoria de vida, de uma lucidez incrível, para descodificar este mundo de ilusões efémeras em que gostamos de viver mergulhados... quando na vida, as únicas coisas realmente preciosas, são o amor, a paz de espírito e a verdade...
ResponderExcluirAcho que pressentiu, seu tempo se esgotando... mas em paz com isso... pois deve ter sido muito feliz, aceitando plenamente o que a vida lhe ofereceu... e sabendo o que de seu deixaria para sempre, nos corações de quem realmente contava em sua vida!
Uma partilha tão pessoal e encantadora, Tais! que me encantou, comoveu, e muito agradeço!...
Beijinho! Bom fim de semana!
Ana
Depois de uns dias passados, conhecendo melhor o nosso Algarve,
ResponderExcluirvenho dar com um texto com muita ternura e ...saudoso...,
quanto baste.
Filho de peixe......
Abraço
Olá Tais,
ResponderExcluirFiquei encantada com este diálogo entre pai e filha.
Quanta sabedoria se extrai das colocações de seu pai que, além de tudo, mostrou uma linda escrita. Bem de família, né?
" É tão breve o espaço no qual se sucedem auroras e crepúsculos..." E como é breve! Talvez, como sugeriu seu pai, é por isso mesmo que muitas vezes nos recusamos a pensar a respeito, preferindo acreditar que temos todo o tempo do mundo.
"... não desertemos da verdadeira vida. Não nos deixemos envolver pela falácia do mundo e pela deificação do efêmero". Este é um conselho para se assimilar e seguir. Lindo!
Adorei a crônica, que traz emoção, ternura, sabedoria e ensinamento.
Ótimo final de semana.
Beijo.
Ah, Tais.
ResponderExcluirEmociona, sim. emociona.
.Às vezes não é fácil comentar.
Eu gostaria de não pensar.
Pensar dói.
bjn
Que lindo Tais,
ResponderExcluirisso é algo para se guardar no lado esquerdo do peito. Quanta sabedoria em tão poucas palavras.
Vivemos no mundo ocidental que despreza seus antepassados como se não tivessem mais utilidade. Uma grande perda. Assim perdemos a nossa história, perdemos nossos valores, perdemos nossas bases.
Tenho certeza de que você usufruiu muito bem desta base sólida que foi o seu papai e que levará contigo todo esse legado.
Grande abraço
Leila Rodrigues