Não
enterres, coveiro, o meu Passado,
Tem
pena dessas cinzas que ficaram;
Eu
vivo dessas crenças que passaram,
E
quero sempre tê-las ao meu lado!
Não,
não quero o meu sonho sepultado
No
cemitério da Desilusão,
Que
não se enterra assim sem compaixão
Os
escombros benditos de um passado!
Ai!
não me arranques d'alma este conforto!
–
Quero abraçar meu Passado
morto,
–
Dizer adeus aos sonhos meus
perdidos!
Deixa
ao menos que eu suba à Eternidade
Velado
pelo círio da Saudade,
Ao
dobre funeral dos tempos idos!
_____________________________________________
EU
E OUTRAS POESIAS - L&PM Pocket - pg 168
Augusto dos Anjos nasceu no Engenho Pau d'Arco, Paraíba, no dia 20 de abril de 1884. Em
1903, matriculou-se na Faculdade de Direito do Recife, formando-se em
1907. Ali
teve contato com o trabalho "A Poesia Científica", do
professor Martins Junior. Formado em direito, não advogou; vivia de
ensinar português.
Foi
ignorado pela crítica do começo do século. Se alguma exceção se
abriu, foi para reputá-lo como autor de versos estapafúrdios e
aberrantes.
Nas décadas seguintes acabou reconhecido como um dos
mais admirados e originais poetas brasileiros. Augusto dos Anjos é,
certamente, o precursor da moderna poesia brasileira, poesia que
daria seu voo somente em 1922, na célebre Semana de Arte Moderna.
Seus versos cantavam a onipresença da dor e a excludente destinação
do homem à morte, aos vermes e ao pó. A partir de 1928 começou a
longa e acidentada via de reconhecimento público, fazendo de Augusto
dos Anjos o que ele é hoje, um dos mais admirados ,
poetas brasileiros, e por certo o mais original.
Cético
em relação às possibilidades do amor ("Não sou capaz de amar
mulher alguma, / Nem há mulher talvez capaz de amar-me").
O livro Eu E Outras Poesias, do qual retirei esse poema, sobrevive, antes de tudo, pelo rigor da forma. Com o tempo, tornou-se um dos poetas mais lidos do país, sobrevivendo às mutações da cultura e a seus diversos modismos. Morreu aos trinta anos de idade, de pneumonia, em Leopoldina (MG), em 12 de novembro de 1914.
Taís,
ResponderExcluirSou fã de Augusto dos Anjos, fiz muitos sonetos inspirados nele. Abaixo um exemplo:
O avesso de Augusto dos Anjos
O mar
O mar é alegre sob qualquer critério;
Cada cor abrandada revela a doçura,
Da coberta de espuma sua brancura
Até pontuais marés e seu gesto sério.
Ah! dirão, e a profundeza de mistério,
Cujo fundo se encontra àquela lonjura
De amplidão imensurável e tão escura
Do tamanho de um inteiro hemisfério?
Quando à mente tais questões tragas,
Pense na água, não apenas nas fragas,
De modo que qualquer dúvida se esvai.
Refletindo a luz do avermelhado poente
O poeta transcende pelo que vê e sente,
Então chora quando a sua ficha lhe cai.
Querida Taisamiga
ResponderExcluirVir por aqui é sempre uma maravilha e uma forma de aprender mais "coisas" sobre o teu (e nosso) Brasil. Nem conhecia o Augusto dos Anjos, mas pelo soneto que publicas lembrou-me o Soares de Passos, ultra-romântico portuense (1826-1860) autor dum célebre (entre nós) Noivado do Sepulcro que me permito aqui transcrever Releva-me o tamanho do poema.
Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.
Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D'entre os sepulcros a cabeça ergueu.
Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.
Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.
Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:
"Mulher formosa, que adorei na vida,
"E que na tumba não cessei d'amar,
"Por que atraiçoas, desleal, mentida,
"O amor eterno que te ouvi jurar?
"Amor! engano que na campa finda,
"Que a morte despe da ilusão falaz:
"Quem d'entre os vivos se lembrara ainda
"Do pobre morto que na terra jaz?
"Abandonado neste chão repousa
"Há já três dias, e não vens aqui...
"Ai, quão pesada me tem sido a lousa
"Sobre este peito que bateu por ti!
"Ai, quão pesada me tem sido!" e em meio,
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.
"Talvez que rindo dos protestos nossos,
"Gozes com outro d'infernal prazer;
"E o olvido cobrirá meus ossos
"Na fria terra sem vingança ter!
- "Oh nunca, nunca!" de saudade infinda,
Responde um eco suspirando além...
- "Oh nunca, nunca!" repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.
Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,
Longas roupagens de nevada cor;
Singela c'roa de virgínias rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.
"Não, não perdeste meu amor jurado:
"Vês este peito? reina a morte aqui...
"É já sem forças, ai de mim, gelado,
"Mas inda pulsa com amor por ti.
"Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
"Da sepultura, sucumbindo à dor:
"Deixei a vida... que importava o mundo,
"O mundo em trevas sem a luz do amor?
"Saudosa ao longe vês no céu a lua?
- "Oh vejo sim... recordação fatal!
- "Foi à luz dela que jurei ser tua
"Durante a vida, e na mansão final.
"Oh vem! se nunca te cingi ao peito,
"Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
"Quero o repouso de teu frio leito,
"Quero-te unido para sempre a mim!"
E ao som dos pios do cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrado, d'infeliz amor.
Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.
Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.
Foi apenas uma recordação de um poema que quando era estudante da quarta classe da escola primária cantávamos (???) como se fôssemos a acompanhar um funeral sob a regência da Dona Clélia que era a nossa professora e directora da escola...
Que tempos esses...
Qjs do Henrique, o Leãozão e abç ao Pedro
Boa noite querida Tais.
ResponderExcluirQue belo poema. É ao ler aos comentários li mais lindos poemas. Que bela postagem. Beleza e Cultura. Uma linda semana para voce e o Pedro. Se Deus permitir estarei de volta no próximo domingo. Enorne abraço.
Gosto muito dele,Taís... Boa escolha! Ótima semana,bjs, chica
ResponderExcluirObrigada, Tais, por me dar a conhecer Augusto dos Anjos, poeta que desconhecia totalmente. Gostei imenso do soneto.
ResponderExcluirUma boa semana.
Beijos.
Gracias por compartir tan bonito soneto, que tengas una feliz semana.
ResponderExcluiroi Tais, quando lemos sobre a vida de Augusto dos Anjos percebemos que assim como aconteceu com outros grandes autores, sua obra só obteve reconhecimento depois de sua morte.
ResponderExcluirGosto do estilo de sua poesia, muitas delas tomada por uma fixação pela morte, mas ao mesmo criava versos muito vibrantes.
Beijos. Bom início de semana!
☆blog Contos da Rosa☆
No conocía a tan llamativo poeta, estimada Tais. Como en tantos casos su maestría, tuvo un reconocimiento tardío.
ResponderExcluirTaisinha,
ResponderExcluirAugusto dos Anjos deixou a sua marca como poeta no nosso país, tanto que o seu livro “Eu” é sempre reeditado. Pode ser que esta ou aquela pessoa não goste da sua poesia, o que deve ocorrer com todos os nossos poetas (gosto não se discute); mas uma coisa é certa: a pessoa que leu os seus poemas a eles não ficou indiferente. Augusto dos Anjos é um poeta singular. Parabéns pela postagem do poema e de sua biografia.
Beijinho, daqui do escritório.
Oi Taís,
ResponderExcluirAs obras são como os nossos filhos, só nos dão valor após a nossa morte.
Adorei
Beijos
Iria gostar mais do Minicontista2
Lua Singular
Olá Taisinha embora os poemas dele falem muito da morte como se ele soubesse que iria morrer tão cedo, apesar de que naquele tempo morria-se cedo a tuberculose levava muitos jovens no caso dele a pneumonia, a medicina estava longe da tecnologia atual. Mas gosto dos poemas dele, parabéns pela ótima escolha
ResponderExcluirbeijinhos, Léah
PS.estou querendo saber até agora onde está a pergunta técnica que você me mandou, quer me matar de curiosidade???
Augusto dos Anjos (1884-1914) foi um poeta brasileiro, considerado um dos mais importantes poetas do Pré-Modernismo. Com sua poesia antilírica e mórbida preparou o terreno para a grande renovação modernista.
ResponderExcluirEm uma destas ele disse:
A Esperança não murcha, ela não cansa, também como ela não sucumbe a Crença,
vão-se sonhos nas asas da descrença, voltam sonhos nas asas da Esperança.
É sempre bom rever e reler as obras literárias deste escritor que no decorrer de sua vida deixou-nos um legado em frases e belas poesias....
bj em seu coração....
Estimada Tais, o soneto é belíssimo e muito original!
ResponderExcluirImediatamente associei-o ao nosso António Nobre, de facto, as semelhanças
são muitas: foram ambos ultra-romanticos, simbolistas e saudosistas, morreram ambos com cerca de trinta anos de tuberculose, deixaram apenas uma obra, a morte é um tema abordado frequentemente.
Repare na semelhança no estilo dos dois sonetos...
«Ó Virgens!»
«Ó virgens que passais ao sol poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente,
Que me transporte ao meu perdido Lar.
Cantai-me, nessa vos omnipotente,
O Sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a Graça, a formosura, o luar!
Cantai, cantai, as límpidas cantigas!
Das ruínas do meu lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas
Que eu vi morrer num sonho, como um ai...
Ó suaves e frescas raparigas,
Adormecei-me nessa voz... Cantai!»
Boa semana e beijos para si e Pedro.
~~~~~~~~~~~~~~
Queria dizer, «voz omnipotente». Do livro 'Só'.
ExcluirAbraço.
No meu primeiro contato com Augusto dos Anjos, fiquei de cabelo em pé, meio assustado. Eu era adolescente na época e achei os versos muito fúnebres, mas com o tempo fui acostumando. Este postado aqui já é bem leve em relação aos demais do autor. Gostei bastante deste.
ResponderExcluirUm abraço. Tenhas uma linda tarde.
gosto muito do poema e, de alguma forma, revejo-me nestes versos
ResponderExcluir"Eu vivo dessas crenças que passaram/ E quero sempre tê-las ao meu lado!"
grato, Tais
por dar a conhecer mais um poeta brasileiro
beijo, amiga
Taís,
ResponderExcluirExcelente partilha, com acréscimo da excelente biografia,
você evidenciou tudo sobre do mais importante deste Grande e
Original Poeta.
Este livro dele está na pilha de livros de poesia que deixo
sempre perto de mim...rss
Há pouco eu li um livro do poeta Ferreira Gullar analisando
a poética do Augusto dos Anjos, e quando noutro dia fui
comprar, já não se encontrava mais na livraria, tinha
que encomendar (uma pena a poesia ser tão desqualificada
nas livrarias...), e ainda bem que existe blogs como o seu
e outros que divulgam o de melhor da Poesia.
Grata pela partilha (mai uma...rss), querida!
Beijo.
Oi, lindona! Muita saudade de você. Amei chegar por aqui depois de tanto tempo e encontrar Augusto dos Anjos, um poeta que muito admiro, originalíssimo, mas, como você me conhece, já deve saber disso. Estou aqui porque preciso de um endereço para que eu possa enviar o livro de uma amiga que desejo muito compartilhar com você e com o Pedro. Minha vida continua aquela loucura, mas não esqueço de vocês, não. Bjos e abraços apertados para os dois.
ResponderExcluirAmo Augusto dos Anjos, acho que o sabes, e por ser tão natural com o que mais nos apavora, a morte, a perda, sonhos, nossa vida...lidei com isso por estes dias, minha mãe, mas graças a Deus já se recupera em casa, mas passei novamente pela angustia de hospital, mas minha mãe é um ser de luz e só atrai coisas boas, o médico dela, os outro médico, as enfermeiras, eu poder ficar junto, tudo conspirou para o melhor dela, graças a Deus, mas agora, aguardar e amá-la e ver o quanto ela se recupera. Ainda não li teu post anterior, voltarei lá, sempre gosto de ler o que escreves...Augusto dos Anjos é único, meu punk favorito. Belíssima postagem.
ResponderExcluirps. Carinho respeito e abraço.
Melhoras pra tua mãezinha, meu amigo Jair, tudo ficará bem. Esse espírito dela com certeza ajudou muito! Agora é tempo, apenas.
ExcluirFique bem, também!
Grande abraço!
Não conheço o poeta, por isso agradeço a belíssima partilha.
ResponderExcluirBjinho, amiga.:)
Um poeta maravilhoso...Esta poesia mostra muito da sua sensibilidade.
ResponderExcluirUm abraço.
Élys
He leído con mucho interés ja información facilitada. Lástima que la traducción al castellano de la poesía resulte tan complicada de entender, es el problema que tiene la traducción de la poesía: hay que entender muy bien lo que se lee porque las traducciones la suelen destrozar, Interesante poeta que yo desconocía.
ResponderExcluirSaludos cordiales. Franziska
Magnifica escolha, é um poema sublime.
ResponderExcluirBeijinhos
Maria
Não existem amanhãs sem boas memórias
ResponderExcluirGrato pela pertilha
Bj
Não conhecia o poeta, mas gostei do soneto que escolheste.
ResponderExcluirTaís, tem um bom fim de semana.
Beijo.
Grata por me dar a conhecer, mais um autor para mim desconhecido, Tais...
ResponderExcluirRenegado no seu tempo... confirma-se que estaria muito à frente do seu tempo... confirmado pelo tardio reconhecimento do seu trabalho...
Tentarei conhecer um pouco mais da sua obra...
Beijinhos
Ana
Amiga Táis,
ResponderExcluirAgradeço esta sua partilha pois desconhecia o poeta Augusto dos Anjos.
Um poema triste e ao mesmo tempo sedutor, como o outono que tão bem colocou nessa bela imagem.
Um beijinho
Amiga, Taís Luso, boa noite !
ResponderExcluirMuito grato por trazer à tona, tão
belo poema, bem como um resumo da
trajetória vivida pelo nobre Poeta,
Augusto dos Anjos.
Um fraterno abraço, querida !
Oi Taís, você escolheu um dos belos sonetos de Augusto que passou pelas não compreensões e ganhou o mundo de poesia, que sempre encanta os amantes.A força das palavras e adjetivos faz dele um grande representante do simbolismo e tão indicado nos vestibulares.
ResponderExcluirBela partilha amiga.
Bjs de paz no coração.