O PIPOQUEIRO DO MEU BAIRRO

- Taís Luso

Ontem, ao voltarmos do almoço, e quase entrando em nossa rua, eu e Pedro  avistamos ele, o pipoqueiro do nosso bairro, com sua carrocinha psicodélica, perfumando a rua com o cheirinho de pipoca doce e salgada. Ao nos avistar, ele já  abriu seu sorriso, nada econômico. Não é todo dia que temos o sorriso de um pipoqueiro perfeito; não é moleza  esperar pelos desocupados, como eu, que querem comer a pipoca perfeita que os outros fazem. Naturalmente, ele conhece todos os moradores do bairro e adora um bate-papo. Deve ter lá seus cinquenta aninhos, bem alegres - o que lhe acentua um ar mais jovem, até.

Parar naquela carrocinha foi nostálgico, mesmo depois do almoço. Bateu uma vontade louca de comer pipoca, de voltar no tempo. De estancar esse louco relógio da vida. E pipoca é marca registrada de nossa infância, onde pipoqueiros e sorveteiros andavam pelas ruas, empunhando uma corneta e avisando à criançada a hora do lanche. Então mergulho na minha infância, com meu coração em festa e sem cerimônias. Não é pipoca de micro-ondas, é pipoca de carrocinha, a legítima! A mais gostosa. Um ritual que me agrada. Mas a razão dessa crônica, não é a pipoca, é o pipoqueiro!

Homem simpático, fala bem, lê muito e adora música. Mas vejam as músicas que a criatura escuta: jazz, tango, MPB, música Italiana, fado... Mas Ué!!... Logicamente demos corda e deixamos o papo se desenrolar, pois seria interessante ver até onde iria sua história. Estávamos nos conhecendo.

Pois bem, sendo ele fissurado em música boa,  nos contou que gostaria de ter sido cantor. E eu, já escrachando, lhe disse que gostaria de ter a voz da Nana Mouskouri ou da Sara Brightman - parecem anjos cantando... Para minha surpresa, perguntou-me se eu já tinha escutado a Sara cantar Chanson D'enfance! Disse-lhe que era uma de minhas preferidas! Pedro, até então postado na sua escuta, entrou mar adentro depois do homem falar em jazz. Pronto!! Bombou a conversa! E logo veio o tango de Astor Piazzolla, que o homem conhecia um monte!

E pensei de imediato que mistério haveria naquele homem, uma vez que pipoqueiro, leitura e jazz não combinam muito? E mais Astor Piazzolla?? Mama mia... Só faltaram os clássicos. Mas agora lembro que ouvi ele dizer que gostava demais de Andrea Bocelli e música orquestrada. Falou em vários livros e autores. Conhecia literatura.

Enquanto ele enchia o pacote de pipoca e a conversa rolava  caminhando pelos labirintos da vida, ficamos sabendo que ele, até pouco tempo, era animador de eventos! Carregou  o seu arsenal musical por anos a fio. Estava aí o segredo!!!

 Mas, então, o que teria acontecido? Cansou? Eu jamais perguntaria. Já está de bom tamanho as surpresas que a vida nos apresenta. Talvez um dia pergunte mais de suas leituras preferidas. Mas juro: se o cara me disser que lê Faulkner, Joyce, Baudelaire, Tchekhov, Nietzsche... Aí eu me mato!

Ou vou vender pipoca... Leve e solta! 

_______(15 -12 - 2016)_________________________________