3 de dezembro de 2012

AS CASAS E SEUS MORADORES





- Tais Luso de Carvalho

Todos os dias faço um passeio pelas ruas do meu bairro. Meu cachorro me convida: me encara, suplica e, por fim, feliz quando lhe dirijo um sorriso. Ele já sabe o que meu sorriso significa. Chama-se Guga. Muitas vezes vamos os três, Guga, eu e Pedro.

E são nesses passeios que penso como é bom levar uma vida simples, sem muitas badalações, ser um feliz anônimo, observando o cotidiano mais simples das pessoas.

Gosto de observar as casas. Mas tem uma que me deixa curiosa, espantada, aflita. Já soube que tem apenas um morador e que ele tem por volta de 65 anos. Raramente é visto, fica fechado.

A casa dá medo por parecer abandonada há anos: não bate sol, coberta por árvores e centenas de folhas mortas pelo chão. Nunca a vi aberta, nunca varrida. Poderia ser bonita, mas é feia, sem cuidados, e com um carro velho, enferrujado e sujo, que há anos não sai do lugar. Apenas uma janela lateral  é que avisa ter morador. Todos os dias essa casa faz parte do meu trajeto; tenho de passar por ela, e olhar se o homem abriu a janela! Gostaria de ver o homem. Talvez um dia.

Mas por que será que quero ver o habitante dessa casa? Lá, na frente dela, obtive a resposta: por que o homem dessa casa deve ser muito diferente, muitíssimo esquisito. E quem não gosta de ver as esquisitices dos outros? Mas essa casa já fugiu das coisas simples, entrou para o bizarro. Melhor ainda.

Num outro edifício, uma velhinha bate ponto, sempre da mesma janela; fica lá, olhando a rua. Dou uma abanadinha pra ela. Acho que sua vida se resume naquela janela. A vida  é assim, acaba nos acomodando...

No mesmo edifício, no andar de cima, a vida se mostra mais ativa: a faxineira se estica, de pé na janela, para limpar o canto – se despencar, já era...

Mais adiante, um edifício todo gradeado e com cerca elétrica  mostra os sinais de tempos violentos. Outra sacada, sem tela, um gatinho na marquise, tomando sol, chamou minha atenção: como não se atira de lá? Pois é, coisas tão simples chamam minha atenção.

Talvez a velhinha fosse valorizada  se pulasse de  um paraquedas; se o gato tivesse uma cabeça de rato; se a faxineira caísse da janela e se esfacelasse, ou se o homem esquisito fosse um criminoso procurado pela Interpol.

Contudo, vou caminhando, olhando, imaginando e pensado nas cidades, na vida meio complicada das pessoas que, queiram ou não, são a mola para os romances, contos, crônicas e poemas.

O que se passa dentro das casas? Quantos dramas, quantos desentendimentos, quanta infelicidade! E penso no quanto ainda resta de esperança em cada uma dessas casas. Até no jardim da casa do homem esquisito nasceu uma flor alaranjada. Entre tanta imundice, conseguiu nascer. Linda flor. Tomara que dure.

Gostaria de escrever sobre o homem esquisito: ah, como gostaria!

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38 comentários:

  1. Incrível o que aconteceu...Ao te ler viajei para um casarão que tem numa das ruas aqui em Poa, num bairro chique, enorme e lembrei do carrinho velho de um velhinho que faz anos, muiiiiiiiitos anos mesmo que não vejo.
    Imagino que tenha ido fazer a longa viagem, mas sua casa deve estar assim...

    Como são estranhas as coisas e associações que passam pelas nossas cabeças. E, como é bom passar pela vida, olhando o simples, o cotidiano que tantos nem ao menos percebem... Adorei! beijos,linda semana,chica

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    1. Pois é, Chica, tantas são as badalações em torno das personalidades Vips que dão a impressão de ótima vida. Acho que na simplicidade está o melhor meio de se viver. Uma angústia a menos - para muitos.
      Sobre a casa, é incrível parece que a tristeza mora lá.

      Beijo grande, Chica. Sempre bom ter você aqui.

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  2. Tais, como sempre, belíssimas palavras.
    Dentro de nossas casas existem muito sobre nós. E fora também. A casa do tal senhor, feia, acabadinha, revela o abandono de um ser ímpar, escondido dentro de sua própria realidade. Não sabemos muito bem sobre ele, mas eu acredito que grande maioria das pessoas detestem a solidão... O abandono do lar sugere o abandono de seu único morador...

    São paisagens tão comuns que passamos sem vê-las. Aguardamos sempre por algo que chame atenção porque acabamos nos acostumando com aquela rotina... Mas para um cronista esses pequenos ícones da paisagem já são uma riqueza. Eis uma bela crônica que comprove isso!

    Gostei bastante!
    Abraço.

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    1. Oi, Fellipe, exatamente isso: nossa casa revela nosso interior. Pode ser alegre, triste, arrumada, abagunçada. E também quase inexistente.
      Na simplicidade aparece o verdadeiro 'ser', sem maquiagem e sem máscara; com suas angústias, seus problemas, suas alegrias... tudo que cabe em nós, também. O território para escrever o cotidiano é vasto, pois cada um tem sua história. E sempre com pinceladas diferentes.

      Obrigada por suas palavras, amigo!
      Beijos

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  3. Pois é....A beleza está nas coisas simples da vida....
    Como é bela também a sua crónica....pela simplicidade
    de tudo o que encerra...
    Boa semana.
    Beijo

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    1. Oi, Andrade, obrigada, amigo!
      Você é um fiel leitor, e daí de tão longe, desse querido Portugal.
      Beijos, boa semana.

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  4. Limerique

    Em torno cenas as mais surrealistas
    Anomalias até onde alcança a vista
    Uma dádiva na verdade
    As agruras da cidade
    Sem esquisitices, pobres cronistas.

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    1. ... é verdade, lembro de um dia você ter falado, em uma crônica sua, de um "branco" que às vezes somos acometidos. Por isso, o olho bate na mais pura simplicidade e quando se descobre a história fica interessante porque, indo mais a fundo, pode tomar rumos diferentes.

      Obrigada, amigo Jair.

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  5. Leitura deliciosa, Tais!
    O texto vai transcorrendo e mexendo com nossa imaginação, fazendo-nos imaginar sua rua como se passássemos, de fato, por ela! Fiquei curiosa em relação ao homem da casa esquisita... Pensei na mesma hora num vizinho que tive, até escrevi sobre ele em minha crônica "Vizinhos"... Realmente, o bizarro capta nossa atenção, hipnotiza o olhar! Mas, não apenas o bizarro: cronista tem isso de ir olhando e analisando tudo, nada passa despercebido... nem a flor laranja, tímida no meio da imundice! Vemos tudo e ainda queremos ver mais, saber o que passa lá atrás daquelas paredes... Afinal, como você declarou, as pessoas são a mola para os romances, crônicas, contos e poemas que ousamos escrever!

    Adorei o texto, bom demais de ler! Beijos.

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    1. Sobre a flor alaranjada - que meu marido disse ser vermelha, mas não é -, eu quis mostrar que nas relações humanas, mesmo entre o caos, quando os sentimentos foram pro lixo, pode haver uma esperança, até uma flor conseguiu nascer, por que não mais do que isso?
      Você pegou bem a história da flor. Hoje passei lá, ainda está bonita, lutando para sobreviver mais um pouco...

      Beijos, querida Suzy!

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  6. Anônimo19:22

    E nós somos anônimos também no meio dessa multidão tão disforme! Já pensou quantas pessoas gostariam de saber da sua vida? fuxicar no seu lixo eletrônico??
    Cada ser com sua história e suas esquisitices. Mesmo numa mesma casa há um mundo à parte para cada morador, vejo por aqui em casa, cada um com uma personalidade, com suas dores, seus medos, seus sucessos e também fracassos. E se não são os olhos mais atentos de uma curiosa como você, a gente nem é visto [e somos tão interessantes kkkkkkkkkkkkkkk].
    O fato é que não percebemos quem está à nossa volta pq como você disse, estamos focados demais na mídia e em suas "criações"[ou criaturas?]
    Gostei do foco e da maneira simples que conduziu "nossa história".
    bjks doces e boa semana

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    1. rsr, a verdade, e sem disfarce, é que todos gostamos de saber da vida dos outros, por que negar isso? Como escrever algo sem fuxicar? Sabe, Marly, o que menos me interessa é a vida dos fúteis. Aquelas criaturas ou criações - que você fala muito bem. Deles não tenho nada para falar, nada que me agrade. Parece não haver história. Mas nossa vida, dos anônimos, encontramos coisas que são muito interessantes, muitas vezes conflitos nossos, também. Outras, superações incríveis.

      Beijos, querida!

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  7. Que legal Taís, a descrição do homem fechado se parece com uma tia que tenho em Ituiutaba MG, ela tbém idsoa sozinha, em uma casa fechada sem muitos cuidados, imagino que ela desperte a mesma curiosidade na vizinhança, rsrsrs, leva pão de queijo p ele, puxa conversa, quem sabe não é apenas um Sr solitário que já se fechou p a vida rsrsr Adorei a cronica! Bjooooss

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    1. Sim, muito solitário! Mas tão solitário que não abre a casa, num abandono total, ninguém vê o homem e nem uma luz à noite. Penso haver mais do que isso. Veja só onde está indo minha mente, rsr.

      Beijão, Kellen!

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  8. Amei, Tais. Boa observadora, boa imaginação. Pena que aqui, em Brasília, a gente quase só anda de carro. Fica mais difícil apreender tantos detalhes! Beijo grande!

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    1. É verdade, Rovênia, Brasilia foi projetada para se andar de carro... mas é difícil fugir de mim, até num elevador surge história! rsrs.

      Beijos, amiga!

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  9. Querida amiga

    Há tanta
    história
    nas pessoas
    que passam
    por nossas vidas,
    que o desejo
    de escrever
    sobre elas,
    também habita
    os meus dias.


    Que amar seja para ti
    o objetivo de cada instante.

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    1. Amigo Aluisio, muito obrigada por sua presença,
      grande abraço.

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  10. Oi Taís, gostei muito desta crônica. As coisas do cotidiano, me chamam muito a atenção também, a gente pode encontrar beleza, significados variados,tudo pela forma de como olhamos cada coisa. Nada se compara a observar esta grandiosa obra do Criador, e em subsequencia as obras das suas criaturas. Tudo disposto, tudo certinho e basta um descuido e tudo toma outro aspecto. Adorei quando você escreveu: "Como é bom levar uma vida simples sem muitas badalações, ser um anônimo observando o cotidiano mais simples das pessoas". Também penso assim.A vida em si é muito bela. A propósito, escrevi um "Poema ao acaso".se quiser conferir de uma passadinha no blog. ele traz essas surpresas que acontecem no dia a dia.
    Muito bom te ler.
    Um grande abraço.

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    1. Oi, Lourdinha! Pois é, nada como a simplicidade, na verdade precisamos de muito pouco. Sou meio avessa à badalações. Gosto de observar o cotidiano, pois é nele que está a verdadeira vida. O resto é fantasia, luzes que um dia se apagam.
      Vou, sim, ver o seu poema. Muito bom você aqui.

      Beijos, amiga!

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  11. Olá Tais! Passando para agradecer e retribuir a visita e o amável comentário. Estou bem com a graça de DEUS, e logo retornarei, pois é muito grande à saudade.

    Hoje com a ajuda da minha filha, fiz uma pequena postagem com algumas informações.

    Abraços,

    Furtado.

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    1. Oi, Rosemildo, que bom que está bem, aos poucos você vai retornando.
      Abraços, amigo, bem-vindo à blogosfera!

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  12. Olá Tais
    Talvez por nossas vidas serem tem complexas, esquecemos de observar as coisas simples, porém belas, que nos cercam.
    Voltei.
    Bjux

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    1. Olá, Elian, bem-vindo à blogosfera!
      O bom filho à casa torna, rsr.

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  13. Olá Tais,

    Esta casa sem vida lembrou-me uma casa antiga de um bairro perto do meu. Sempre que passava ao lado dela ficava impressionada com o abandono. Um carro velho, quase caindo ao pedaços, ficava na garagem descoberta. Sentia até um certo mal estar ao observá-la. Soube, muito tempo depois, que se tratava de um imóvel em litígio, devido a uma herança. Pensei à época que quando o litígio fosse resolvido provavelmente a casa e o carro já estariam sem condições de uso.
    Eu também tenho esta capacidade de observação, embora não faça crônicas e nem me dedique à escrita. Às vezes, me pego observando os idosos e pensando em quantas histórias estão ali na vida naquela pessoa (dores, sonhos, alegrias, tristezas?). Também observo os jardins e as árvores, se floridas ou não. Quando estou a pé, caminho observando tudo. Mesmo de carro, ainda observo tudo que o trânsito permite (muros pichados, cores extravagantes em casas, edifícios velhos ou lindos, a pressa das pessoas para pegarem ônibus...).
    Também gosto da simplicidade. Há muita beleza e vida nela.
    Sua crônica é uma delícia de ler. Fiz o passeio com você e até consegui visualizar a flor alaranjada no jardim do homem esquisito. Curioso. Também gostaria de conhecer a história dele.

    Beijo.

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    1. Oi, Vera, a casa do homem esquisito já esta nesse estado há mais de 12 anos, por isso minha curiosidade. E mais: não se vê o homem.
      Penso que boa parte das mulheres são assim como nós, ligadas a detalhes do cotidiano. É coisa nossa esse tipo de atitude. Não escapa nada. Pelo que vi você é muito 'ligadinha', rs.

      Um beijo, Verinha!
      Muito bom você aqui!

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  14. Tais, creio que, de fato, somos nós, mulheres, as observadoras do cotidiano. Uma simples ida à padaria, ao mercado... e estamos olhando as pessoas, os comportamentos, criando as histórias de vida de cada um. Às vezes penso que também posso estar sendo alvo dessa mesma observação (rsss). E até sorrio, conversando com meus botões. Bjs.

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    1. rsrs, é verdade. Todos temos uma vida cheia de histórias interessantes e muitas vezes igual a de outros. Não difere muito. O cotidiano é rico, o que não é rico, pra contar, é exatamente o que extrapola, uma vida que se fixa no luxo, na fantasia e na futilidade. Isso não é muito interessante, a gente já conhece demais. Fica só na superfície.

      Beijão, Marilene!

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  15. Taís,
    mais um texto brilhante! O melhor é o conteúdo simples e despretensioso - a curiosidade feminina - adoro isso. A Loyde tece comentários semelhantes, faz parte do ser feminino e também das crianças. Se eu visse a casa abandonada-habitada eu imaginaria o morador: Um Lobisomen!
    Um beijo de todos do atelier, somos seus fãs

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    1. Obrigada queridos amigos Antonio e Loyde.
      Um Lobisomem?? rsrs, não me passaria pela cabeça!
      Beijos ao atelier!

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  16. Taís,
    Você escreveu o que eu teria escrito se o soubesse fazer assim tão perfeito. Gosto também de fazer esses passeios e encontro coisas tão bizarras e quando dá, eu fotografo.
    Bjs.

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    1. Oi, Estela, também é uma maneira de registrar...
      Obrigada!
      Beijão pra você.

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  17. Muito interessante Taís, da forma como descrevestes foi fácil visualizar mentalmente cada cenário. Um olhar observador e sensível!

    Beijos

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    1. Oi, Néia, obrigada, querida.
      Meu carinho pra você, sempre muito bom tê-la aqui.

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  18. Limerique

    A você Taís, escritora sideral
    Que nos ilustra no espaço virtual
    Neste mês de dezembro
    Enquanto ainda lembro
    Tenha boas festas e um feliz Natal!

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    1. Olá, Jair, muito obrigada, adorei esse Limerique!
      Um feliz Natal também a você e sua família e que, em 2013 você esteja na área virtual nos brindando com suas belas crônicas e sua criatividade.

      Boas Festas, amigo!

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  19. ...Gosto da maneira como voce escreve o texto é denso, sugestivo alem agradavel e flúi com elegancia, leveza e naturalidade...bom alem de ter algo que ver com o que sinto quando estou correndo para me exercitar, embora por agora eu esteja um pouco parado... quando corro é quase sempre por ruas de um bairro qualquer momentos em que observo enquanto vou passando casas e quintais, visualizo então ou imagino visualizar ali impresso o jeitinho diversificado dos moradores...

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    1. Olá, Saulo, muito obrigada por suas palavras sobre meus textos. É bom saber, é estimulante para o meu aperfeiçoamento.
      Realmente gosto de imaginar vidas diferentes, olhar as sacadas, as flores... e o que haverá de misterioso dentro das casas? Dentro de cada alma? Através destes pensamentos viajo e invento, muitas vezes, meus personagens.

      Abraços, volte sempre.

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Muito obrigada pelo seu comentário
Abraços a todos
Taís