10 de março de 2013

COMO CONHECI MARIO QUINTANA



              - por Pedro Luso de Carvalho

Eu era ainda estudante da faculdade de Direito quando tive a grata oportunidade de conhecer pessoalmente Mario Quintana. Isso ocorreu sem qualquer planejamento. Tudo foi quase por acaso.

Naquele dia, em que caminhava pela Rua da Praia, o que menos poderia ocorrer-me seria encontrar-me com Quintana. Para colocar as coisas no seu devido lugar, vamos deixar uma coisa bem clara: eu nunca havia sequer imaginado que um dia poderia ser apresentado ao poeta. Isso estava fora de cogitação.

Não tivesse encontrado a jovem e talentosa jornalista, que trabalhava para o jornal Correio do Povo, de quem me tornara amigo há mais de ano, o convite dela para conhecer o nosso estimado poeta, apanhou-me de surpresa.

– Apresentar-me o Mario Quintana?! – perguntei incrédulo.

Diante dessa pergunta e da inflexão dada por mim, a jornalista não escondeu o riso.

– Vamos até o jornal, ele não vai te morder.
– Então, seja o que Deus quiser.

E lá fomos nós pela Rua da Praia. Na esquina com a Caldas Junior – rua que se tornou famosa por sediar o jornal Correio do Povo e a rádio Guaíba – fizemos uma inflexão para a direita. Estávamos já diante do prédio do jornal.

– Tenho que ir mesmo?
– Vamos subir agora mesmo – disse a jornalista.

A redação do jornal ficava no primeiro andar. Lá Quintana deveria estar escrevendo sua coluna, como fazia durante toda semana. Em frente ao elevador, ela apertou o já gasto botão de madrepérola. O antigo elevador não demorou a chegar.

A porta de gaita do velho elevador abriu-se diante de nós, fazendo um barulho estridente. O educado ascensorista fez um gesto com o braço estendido, a mão sinalizando para entrarmos. Deixou-nos no andar da redação.

– É por aqui – disse a jornalista já no corredor.

Da porta vi uma sala muito grande, com várias mesinhas enfileiradas. Só não consegui enxergar o Quintana. Andamos um pouco mais. Passamos pelos jornalistas que escreviam seus textos nas suas velhas máquinas. As repetidas batidas nas suas teclas arredondadas causavam um som estridente e nervoso.

Mais uns passos e logo nos deparamos com o poeta. Estava sentado frente à sua mesa, soltando baforadas. O cigarro aceso fazia desenhos no ar, na medida em que o poeta gesticulava. Do cigarro, já quase no fim, desprendia-se uma linha fina de fumaça em espiral. Ao lado da máquina, na qual escrevia, um gordo cinzeiro exibia suas guimbas.

 – Hoje vai ser o meu grande dia – pensei.

A jornalista aproximou-se de Quintana com intimidade, quase nas pontas dos pés. Com ela em sua frente, não se demorou a levantar. Fiquei ao lado deles no pouco tempo em que conversaram. Com discrição olhei para o poeta, que me pareceu tratar-se de um homem simples. Era mais baixo do que imaginava. No seu rosto, nenhum traço que pudesse indicar qualquer sentimento.

– Quintana – disse a jornalista – trouxe um amigo para te apresentar...

Solícito, estendi a mão para o poeta. Sua mão mal tocou a minha, nesse cumprimento.

– Muito prazer seu Quintana.
– Prazer!  – respondeu.

Sua voz era quase inaudível. Seu olhar estava fixo na janela de onde se via a rua. Demorou muito pouco para que a mão do poeta tateasse as costas de sua cadeira, onde logo iria sentar-se. O papel ali na máquina era o que lhe interessava.

– Vamos?! – sussurrou a jornalista, puxando-me pela manga do paletó.

Depois de muitos anos decorridos, a contar daquele rápido encontro com Quintana, fiz esta descoberta: no mundo mágico dos poetas, que é feito de sonho e solidão, não há lugar para estranhos e importunos.

'Não vou me enganar mais' – admiti resoluto –, naquele dia em que fomos apresentados, Quintana não disse 'prazer', quando lhe estendi a mão.


Pedro Luso de Carvalho
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22 comentários:

  1. rssss, foi trágico. Certas coisas a gente tem de pagar pra ver! No entanto também ficaria frustrada. E pelo sim, pelo não... não arriscaria, ainda mais com Mario Quintana, o preferido! E se ele nem me olhasse? rsss Credo. Certamente não seria o meu preferido, tamanha a frustração...

    Adorei trazer esta tua 'confissão' aqui pro meu blog.
    Beijinhos.

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    1. Mas valeu o esforço, Taisinha, para conhecer nosso grande poeta.

      Bjs.

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  2. Limerique

    Não é coisa que se veja toda semana
    Tampouco evento que a nós engana
    Fato digno, memorável
    Melhor que imaginável
    Encontro com poeta Mário Quintana.

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  3. Sorte sua, mesmo assim: pior fui eu que conheço Maria Quintana só da estátua dele do museu em Porto Alegre...snif.( e até a manicure que fui perto do hotel em que fiquei, até ela conheceu o " velhinho", como ela o chamou)

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    1. Josiane,

      Ainda bem que essa homenagem ao MARIO QUINTANA não foi esquecida.

      Abraços.

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  4. rssssssss...Valeu muito! Gostei de te ler e saber de mais essa tua.
    E imagino a frustração,rs... beijos,tudo de bom,chica

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    1. Oi, Chica, essa não foi minha, amiga!!! rsss
      Foi do 'marido', mas tudo em família...
      Beijão, boa semana.

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  5. Os GRANDES POETAS vivem num mundo à parte...e Quintana é um deles.
    M. Emília


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  6. Que coisa, Tais! Mas como saber o que estava por vir, como antecipar a reação de poeta tão querido, tão brilhante? Penso que ao mesmo tempo em que eles são simples, são, num certo sentido, imprevisíveis. Afinal, vivem num mundo que não conhecemos plenamente - e talvez seja melhor mesmo que esse mundo não seja desvendados em seus mistérios, para que não perca o encanto.

    Ainda assim, e apesar da frustração, tenho certeza de que valeu a pena o encontro. Pedro Luso foi muito corajoso, e saiu de lá com esta história para contar. Gostei muito de ler! Beijos.

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  7. Pedro, mesmo que distante a lembrança permaneceu porque o momento fugaz foi mais significativo e memorável do que imaginado.Mario Quintana na sua sabedoria poética nunca deixará de nos encantar. Abraços Eloah

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  8. Olá Pedro Luso,
    Mas vc tem uma história para contar. E contou belamente. E o prazer de lê-la foi todo meu!

    Abraço para vc e outro para a querida Tais.

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    1. Obrigado Rovênia. É sempre bom saber quando alguém gosta do que escrevemos.

      Abraços.

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  9. Vai ver ele estava burilando alguma frase em pensamento e nem se deu conta ou fingiu (pois "todo poeta é um fingidor" - rssss) ... Mas acho que teria sido melhor ouvir uma de suas frases irônicas, bem malcriada! rssssssssss.
    Mas mesmo assim valeu o encontro!
    Bjs.

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  10. Estou muito contente com a sua visita a um dos meus blogues.
    Gostei muito de ler o texto deste post. Quintana, grande poeta.
    É normal que ele assim tivesse reagingo.Vivem em outros mundos,
    e deveria estar num desses momentos.
    Mas só o prazer de ter estado perto, já foi inesquecível.
    Beijinho
    Irene Alves

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  11. Olá Taís,
    é impossível precisar o motivo da indiferença do poeta maior.
    O fato é que ele estava criando, escrevendo. Quando estamos em "estado de criação" perdemos quase totalmente a função verbal e o pensamento voltado à comunicação. Pelo teor da obra o poeta nos parece alguém possuidor de bons sentimentos, incluindo a gentileza. Mas não podemos estar sempre disponíveis. Acho que a jornalista foi inoportuna e o Pedro
    foi sincero em seu desabafo. O certo é que todos nós amamos o Quintana!
    Um abraço

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    1. Olá, Antonio, não tem como saber da indiferença e tudo o que você disse está certíssimo. Não foi um simples ato isolado que manobra nossos sentimentos. Quem sabe ele não estava preparando a matéria para o dia seguinte?

      Porém, Pedro não conta isso como desabafo, e sim como um episódio lembrando do poeta, uma homenagem: uma história meio hilária que ficou na lembrança.

      É o meu poeta preferido, dado às suas verdades e que sempre soube dizê-las com humor.

      Pedro manda um abraço pra você.
      Beijos ao atelier.

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  12. Adorei demais ler esse texto! E nossa,como valeu a pena!
    Deve ter sigo mesmo um dia e tanto!
    Voltarei sempre por aqui! Grande beijo!

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    1. Olá, Camila, bem-vinda ao blog!
      Muito obrigada pela visita, realmente acho foi uma façanha, meio hilário o negócio... rsss.
      Beijão pra você, volte sempre.

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  13. Querida amiga

    As palavras
    que semeiam o pensar
    são preciosas.
    Delas nascem sentimentos
    que nos tiram do lugar comum
    e nos fazem sentir
    o perfume
    precioso da vida.

    Olha o céu de manhã.
    Vês como brilha iluminado
    por teus sonhos...

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  14. Não há como esquecer uma experiência como essa. A possibilidade de estar perto de alguém que se admira assusta, mas é ansiada. O encontro foi narrado com tamanha verdade que podemos imaginar a cena. Creio que, ao desenvolver seu trabalho, o grande escritor estava distante da realidade e o que menos lhe poderia interessar, naquele momento, era dar vazão a qualquer diálogo. Bjs.

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  15. Parabéns pelo blog.
    Vamos orar pelo nosso País, o Brasil pecisa das nossas orações.
    O poder da oração
    -Deus é que o Todo poderoso pode fazer qualquer coisa, não há impossíveis para Ele.
    “Pois nada é impossível para Deus".
    Lucas 1:37
    -Deus convida o seu povo a orar a Ele, a oração tem que ser feita de modo persistente e com ação de graças.
    Jesus te ama.

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Muito obrigada pelo seu comentário
Abraços a todos
Taís