- Tais Luso de Carvalho
Existem conversas muito curiosas, muitas vezes lembram uma sessão de psicoterapia. A verdade, é que vida é feita de coisas simples e rotineiras. A exceção não pesa. Mas parece pecado falar em rotina para alguns; a vida tem de proporcionar sensações como se estivessem numa Montanha Russa!
E o passado está sempre presente. É interessante como todos nós gostamos de falar do nosso passado. Jamais esquecemos do lugar em que crescemos, de nossas raízes. Gostamos de lembrar do cheiro da terra molhada; da nossa casa, da igreja, da escola, da praça e do botequinho que vendia um pouco de tudo. Inclusive picolé. O nosso passado está sempre presente; sempre será referência para algum papo. Tudo o que envolve o ser humano, como suas reações e seus sentimentos me interessa. As pessoas me interessam. E as que passam por mim, ficarão no registro da minha história.
Sempre aprendo ao ver os dramas alheios e algumas coisas mal resolvidas. E isso não deixa de ser enriquecedor. Acho que aprendemos muito com os outros; com seus acertos e com seus erros. E, com nossos próprios erros.
Há dias, eu e Pedro ficamos de papo com um homenzinho gentil, educado e rodeado por livros raros. Na verdade é um enorme Sebo. Mas a conversa era sobre os tantos livros que ali havia. E livros raros. Certamente existiu confiança, e acabou abrindo sua vida pessoal para nós, dois estranhos, praticamente. Penso que pelo fato de não fazermos parte de seu círculo de amigos ou de parentes, é que abriu suas comportas, pois quem não é próximo é esquecido. E muitas vezes queremos isso: desabafar e o assunto ser esquecido.
Muita intimidade incomoda; tira nossa liberdade, nos expõe sem necessidade. E os assuntos que deveriam ser reservados, vazam para outras bandas; se espalham pela Aldeia. O fato se dá porque gostamos mais de falar do que ouvir. O homenzinho contou que seu sonho era, na sua aposentadoria, retornar à Terra Natal. E mostrou um saudosismo que dava pena. Deu pra ver que vive uma vida presa ao passado, saudoso das suas raízes, um tanto frustrado. Falou do campo, dos animais e de sua dor por não poder mais voltar por causa dos filhos, dos netos e da sogra - com 90 anos, que mora junto. Aposentou-se e foi premiado com mil problemas. E por aí foi nos relatando o nó que estava sua vida. O que o salvava de entrar em depressão era o amor pelos livros; era conviver diariamente cuidando de algo que lhe dava prazer: os seus companheiros ricos, cheios de mistérios, de mil histórias, mas silenciosos. Ah, os livros...quanto bem fazem!
Sua vida se fez longe de sua terra. Sua adaptação foi difícil; largou tudo o que tinha para seguir a família na década de 70. Nada do que fez foi o que almejava. Enquanto nos contava sua história, seus olhos brilhavam, mas não de felicidade. E ali, naquele momento, tive a certeza de que nunca seremos completamente felizes. Vamos caminhando e deixando marcas que se tornam irreversíveis.
Ficamos com pena. E sentimos que foi ótimo termos ficado na escuta e fazer parte das ansiedades do homem da livraria. Ouvir e conversar com quem precisa é um ato solidário, e isso não nos arranca a pele.
E lembrando do homem da livraria, e daquela nossa pequena escuta - que parecia algo tão simples -, é que vejo o valor de pequenas coisas. Escutamos o que ele precisava falar. Quem dera pudesse eu voltar ao passado e recomeçar: falar e calar na hora certa. Não me incomodaria mais com coisas aparentemente grandes e com pequenas pessoas. Saberia descartá-las sem agredir os meus sentimentos.
A conversa estava boa, mas já era tarde e nos despedimos do homenzinho que sempre nos recebe com alegria; uma alegria meio inocente, oriunda do campo. E não perguntei seu nome e nem ele perguntou o nosso. Isso era o de menos. O importante, na verdade, não nos custou absolutamente nada. Saímos com uma sensação muito boa.
E sem uma Montanha Russa e suas sensações malucas.
Que coisa boa te ler!
ResponderExcluirE como vocês fizeram bem a esse homem da livraria que certamente precisava alguém que o ouvisse...
Isso é legal e as duas partes ganharam,tenho certeza!
beijos,lindo fds,chica
Taís,
ResponderExcluira sua crônica aborda um tema muito interessante, aliás dois: gente e livros. Sensibilidade e cultura, ouvir e refletir...
Um grande abraço, beijos de todos do atelier
Que lindo querida!Doar nosso tempo e ouvir pode significar para o outro bem mais que imaginamos.O Ser humano sempre será um solitário com seus segredos, suas decepções, seus sonhos e suas opções.Compartilhar dá sentido a vida.Parabéns pela bela crônica! Feliz domingo.Bjs Eloah
ResponderExcluirPois é....Gostei da história....Há tão pouca gente que saiba ouvir....
ResponderExcluirBeijo
Taís, mais uma pérola cotidiana, extraída carinhosamente de como você vê o mundo. Uma delícia te ler. Fico sempre esperando um texto seu. Parabéns pela delicadeza.
ResponderExcluirAbraços sempre afetuosos.
Fábio.
Tais, eu particularmente, e já relatei isso em uma crônica, adoro conversar com "homens da livraria". Essas pessoas cheias de histórias, sabe, cheias de vida vivida ou então de vida sonhada - em ambos os casos, é um prazer para mim escutar. Sempre ficam lições e esse doce sentimento que você relatou: a sensação muito boa. E é isso - e não a Montanha Russa - que faz a vida realmente valer a pena!
ResponderExcluirAdorei a crônica, amiga! E quero a referência desse Sebo, afinal não é todo dia que somos atendidos por pessoa educada, gentil e culta! Beijos.
Taís,
ResponderExcluirquanto aprendizado vc traduziu nessa tocante narrativa.Acompanhei tuas palavras como se te ouvisse ao vivo e contigo me solidarizei ao homem da livraria, esse amante silencioso das palavras, que fez dessa atividade seu mundo possível.
È bem verdade,doar atenção não dói e traz muita emoção sem exageros nem espetáculo, apenas deixando falar o coração de quem precisa.
Maravilhosa crônica.Obrigada!
Bjkas,
Calu
Oi Tais.
ResponderExcluirRefletindo sobre as suas palavras,cheguei a conclusão de que na verdade,todo o desejo de voltar ao ´passado, fás parte de algo que considero inerente ao ser humano: A insatisfação.Quem sabe lá seu passado este senhor não tenha desejado estar num futuro mais promissor e assim buscou novos caminhos,e encontrou-se com a vida moderna e cheia de ilusão.
Pessoalmente considero que em uma vida mais simples e com os pés no chão,podemos também encontrar felicidade e estarmos quem sabe, protegidos do efeito Montanha Russa.
Um abraço, gosto muito dos seus escritos.
Putz! Doloroso. O que mais dói é saber que o passado não está mais lá. Mesmo que tudo estivesse se conservado como na época em que o deixamos, nós não somos mais os mesmos.
ResponderExcluirBeijo
Oi Thaís,
ResponderExcluirNa escola da vida, ouvir talvez seja o exercício mais difícil de se aprender. Mas quando o fazemos, percebemos o quanto ele pode fazer dois lados felizes ao mesmo tempo.
Excelente texto!
Bjs e boa semana para você!
Coisas simples e rotineiras são a base para atingirmos algo desafiador. Ah, como é bom ter um passado, mesmo com erros e acertos é muito bom recordar. Gostei do homem da livraria, gente boa! Bjos e um ótimo domingo.
ResponderExcluirTais que delicia de crônica, nossa é tão importante estes instantes de troca de informações, histórias, veja este homem solidário precisava falar, e vocês diminuíram sua solidão e ele por sua vez passou a vocês momentos agradáveis, experiências vividas, sonhos, bom demais, beijos Luconi
ResponderExcluirEstou aqui lendo e aprendendo muito com os fatos simples que sempre expõe em tuas crônicas, os simples fatos que viram pérolas de conteúdo...Pois é, valores invertidos e a vida parece que não tem tempo para a verdadeira felicidade e a maioria das pessoas precisam ser intensas porque tudo parece muito,mas na verdade,os nossos verdadeiros valores são outros,nossas conversas francas,parecem não encontrarem mais seus espaços. Você acaba senso desinteressante se não rir o tempo todo dizendo que vive a mil...Reiterando um provérbio antigo eu diria.”. Em terra de cegos, quem tem um olho é sofredor[a]”,justamente o que acontece com esse senhorzinho perdido dentro da família...
ResponderExcluirParabéns mais uma vez você arrasa tuas observações, com tua maneira de encontrar a essência no óbvio.
Um grande abraço!
Izildinha
Taís, são esses pequenos detalhes que diferenciam os seres humanos, saber ouvir vai muito além de dar atenção, é também uma forma de aprender com o desabafo do outro.
ResponderExcluirLindo texto, bom de ler do começo ao fim.
Beijos
Que bonita crônica, Tais! Gostei muito. É isso, somos poços de sentimentalismo e saudosismo. Eu mesmo sou muito assim... Entendo o homenzinho...
ResponderExcluirbjo
Cesar
Excelente Tais,
ResponderExcluirVocê colocou em letras o que normalmente sentimos e não conseguimos expressar. Aquela sensação de pertencimento a algo maior, aquele sentimento de sermos mais do que simples seres singulares. Você mostrou-nos que estamos inseridos naquilo que chamamos de HUMANIDADE que é o conjunto maior do qual fazemos parte. Aquele homem saudoso e quase melancólico é o extrato do que todos somos: seres gregários que quando arrancados de nosso chão, temos que lutar muito para sobrevivermos. Abraços e parabéns pela bela reflexão. JAIR.
aahhh que lindo ...temos tantos "poderes"... o mal é ignorarmos eles ...
ResponderExcluirParabéns !
Às vezes, apenas escutar faz um bem danado a alguém!
ResponderExcluirBeijos, querida!
Amiga Taís, as pessoas estão carentes da falta de ouvintes para que possam desabafar aquilo que de mais valioso existe para elas - a história de VIDA, aquilo que elas passaram ao longo dos dias vividos.
ResponderExcluirFico a imaginar a leveza da alma que este senhor sentiu após ter relatado o que de mais sentimental e importante havia dentro de si - a sua SAUDADE e a sua HISTÓRIA.
Uma verdadeira terapia, mesmo e sem constrangimentos...
Abraços e grata pelo seu carinho e atenção, sempre.
Olá,Taís!!
ResponderExcluirQue bela crônica!!!E tens razão, as vezes o que mais se precisa é de alguém para nos ouvir...faz um bem...lava a alma!E quem ouve também fica feliz, é a certeza de ter feito algo bom!!Adorei querida!!
Obrigada por ter visitado o meu Jardim, sei que tenho muito o que aprender,mas adoro escrever contos!
beijos!!
Ah!! Já estive na feira!!!
ResponderExcluirComo é bom estar cercada por livros, cultura e tantas pessoas que gostam de ler!!!Ah!!!O paraíso!!!
*Claro que a mágica aconteceu...escolhi um livro...e o outro me escolheu!!rsrs
amei seu blog vou seguir
ResponderExcluiraqui tem um texto que gosto muito
se der leia.
bjo!
http://paraneura.blogspot.com/2011/09/para-os-ultimos.html
Olá Taís, fiquei lendo este texto e me senti muito bem, e sei perfeitamente o que vocês sentiram diante da estória contada por este homem. São fatos que ficam e por um leve despertar nos transforma e nos faz questionar sobre a vida, sobre nós, sobre nosso papel diante de tudo aquilo que nos rodeia. Isso nos faz bem, exatamente pela troca de sentimentos, e uma certa gentileza, que conforta e nos traz a "paz"que tanto necessitamos.
ResponderExcluirAdorei esta postagem, de certa forma leve, mas muito reparadora.
Bjos da Wal.
Belo texto. Neste mundo falta gente com capacidade de ouvir o outro... todos têm presa ou gostam mais de se fazerem ouvir, mesmo sem dizerem "nada"...
ResponderExcluirUm abraço.
São poucas as pessoas que sabem ouvir e muito menos as que desejam doar um pouco do seu tempo.
ResponderExcluirVocês fizeram um bem enorme ao homem da livraria.
Beijos.
Pessoas certas na hora e no lugar certos. Nada é por acaso... vocês precisavam ouvir e ele falar. Todos aprenderam - inclusive, nós! Beijocas!
ResponderExcluirOi, Tais, só faltou você me dizer que ele gosta de tomar um uisque depois que fecha o sebo e dizer que se chama Zé Maria.rsrs.
ResponderExcluirExplico: conheci um dono de sebo fantástico com este nome e características aqui em Bh há alguns anos. Proseávamos longamente quando eu ia lá. Ele me parecia também muito saudosista, nostálgico, uma pessoa extraordinária. Não havia livro que alguém procurasse que ele não dava um jeitinho de arranjar caso não o possuísse em seu sebo.
Isso que você falou das humanidades que vamos construindo ao longo da vida é o que acho que poderia dar uma melhorada nas nossas relações mundanas que andam tão desprovidas e carentes de afeto humano. Às vezes, uma simples parada para ouvir alguém como vocês fizeram funciona como uma terapia ou como o efeito de um frasco inteio de comprimidos.
Obrigado pelo carinho a apoio nessa minha segunda e dolorida perda deste ano. Um grande abraço. Paz e bem.
Bela cronica!!!!
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