4 de agosto de 2012

VOCÊ SE ACHA INFELIZ ?





    - Tais Luso de Carvalho

As histórias que vejo todos os dias, da minha janela, são verdadeiras, não são ficção. Escrevo o que vejo e o que vivencio. Por morar, há 26 anos, perto de um hospital, já deu para constatar que entre lindas rosas há muitos espinhos. Vejo solidariedade, amor e compaixão. 

Vejo o belo das flores e do ser humano, mas também vejo o lado hipócrita das pessoas. Não preciso dizer que existem milhões de pessoas que cuidam de seus velhos com amor e carinho; como existem, também, os que são jogados ao léu do abandono. E é desses que quero falar; dos abandonados.

De minha janela avisto o maior hospital do sul do país, e lá, a vida se apresenta sem fricotes, sem glamour e sem encenações. É da minha janela, sem nenhum esforço, que vejo o ser humano na sua arrogância e na sua fragilidade. É através da minha janela que também reflito e comparo todos os nossos atos.

Vejo de tudo. Hoje meu olhar bateu num casal que atravessava a rua. Pude ver que ele era deficiente: de bengala, seu andar era inseguro e dependente. Ela, despachada, altiva, alienada do pobre homem. O que chamou minha atenção foi que ela caminhava alguns passos à frente, e não junto. Notei o  pouco caso  e fiquei observando aquela cena até que entraram no hospital.

Quando passo pelo hospital  e seus jardins vejo, entre coloridas flores, muita desgraça e gente conformada com sua infelicidade. Paro e penso: putz, como sou feliz...

Não sei por que me lembrei das cenas que vi dentro de um asilo, através da televisão. Deprimente. Um depósito de idosos, esquecidos e abandonados, apesar de muitos serem cuidados por alguns voluntários, gente boa e solidária.  Acredito e admiro pessoas que trabalham como voluntários.

Mas não estou pensando se o asilo é bom ou ruim, se é sujo ou limpo. Não quero saber da parte física da instituição; falo dos parcos sentimentos de gratidão, de amor, de descaso e de abandono que por lá reinam. Gente que se sente só. São pessoas que demonstram um pouquinho de felicidade com qualquer visita. Com qualquer estranho.

Não estou falando de Casas de Saúde (ou Repouso) onde se paga uma fortuna, com ótima infraestrutura, fisioterapeuta, médicos, serviços de copa, etc. Isso é outra coisa. Entendo que em muitos casos, essas casas de saúde são necessárias. Reconheço que muitas vezes não há outra coisa a fazer, pelas doenças estarem já muito agravadas.

Ser velho é difícil, é sentir-se um peso para os outros, uma tralha inútil e isso dói demais. Impossível não ver tristeza no olhar de um velhinho. Tenho, particularmente, muita pena dos velhinhos: bato direto no olho com aquele brilho revelador.

Muitos pessoas fogem do assunto, mas por que não pensar nisso? Medo? Fuga até que ponto? Pensar só nas alegrias da vida? Pensar na velhice aos  95 anos? Nessa idade não se pensa, não se arruma mais nada: se aceita, é lucro. Pensar é uma maneira para se prevenir. 

Falam que vida em família não é dos relacionamentos mais fáceis; onde existe muita aproximação e liberdade, existe rancor, inveja, ódio, cobranças, acusações e desrespeito. Tudo pode complicar num meio em que o amor deveria falar mais alto. O mesmo sangue que deveria gerar amor e aproximação, gera distância e mágoas. Mas assim somos nós. Podemos ser alegres como tristes, mas nunca alimentar algo que possa servir, apenas, para uma troca futura. Uma negociata.

Chocou-me, um dia, quando ouvir alguém dizer: 'Eu trato bem os meus filhos porque um dia vou precisar deles! Não aceito esse tipo de atitude. Amor não se mede e não se comercializa. Amor é único, e o verdadeiro é incondicional.

Muitos esquecem que a vida não é condescendente com nossos erros; mais tarde ela cobrará nossos atos e perguntará o porquê de certos erros.
E teremos a cota-parte que merecemos.


Mas para não dizer que não falei de flores... Aplaudo o 'Asilo Padre Cacique', Porto Alegre, uma instituição não governamental e sem nenhum fim lucrativo. A maioria dos velhinhos não têm familiares. 



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16 comentários:

  1. Muito boooom, amiga!
    Verdades, puras verdades!
    Bjssss e bom fim-de-semana!

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  2. Eu também concordo com vc Tais, pois só quem sente esse sentimento, é quem passa.

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  3. Olá, Tais!

    "Pensar na velhice é um ato de solidariedade com os que já estão nessa fase." Essa frase me pegou de jeito, me colocou pra refletir. Projetamos a velhice para o futuro todos os dias, como se ainda estivesse bem longe do nosso alcance... no entanto, ela está ao nosso lado: nos velhinhos que nos cercam e que são por nós, muitas vezes, ignorados. A mulher que andava a frente de seu companheiro - seja esposo, pai, irmão... - é qualquer um de nós, quando age com descaso em relação aos idosos.

    Sua crônica me fez lembrar de um dia, em meu passado, quando visitei um asilo junto com um grupo de missionários. Levamos árvores de Natal em miniatura para eles, levamos música e dançamos com eles, já que um dos jovens entre nós era excelente cantor. Nunca esquecerei de meus sentimentos ao som de "Jingle Bell Rock", rodopiando em câmera lenta com um idoso, oferecendo, quem sabe, lembranças de algum tempo que foi bom em sua vida. Enquanto que ele, sem saber, me oferecia a certeza de que são as pequenas coisas, e os pequenos atos, aqueles que realmente fazem a diferença na vida!

    Beijo, querida!

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  4. Oi Tais , o texto é lindo !!
    Realmente no período contemporâneo que atravessamos, é triste observar a frieza tomando conta de muitos corações, está fase da vida que é "velhice" tem toda uma beleza , que só quem tem um coração voltado ao amor, é capaz de apreciar, e abastecer da sabedoria deles.
    Ter um idoso, em nosso meio é um privilégio , mas poucos sabem olhar com "olhar"da alma. bjs amiga

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  5. Taís,
    Ainda que ninguém queira ser velho, paradoxalmente, todos queremos viver muito, ou seja, NÃO QUERO MORRER MAS NÃO QUERO ME TORNAR VELHO. Essa contradição já explica porque a velhice é tratada como algo incômodo e, de certa maneira, com desprezo pela maioria das pessoas. Você tocou fundo num ponto sensível da sociedade que merece bastante reflexão. Parabéns pela bela postagem, JAIR.

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  6. Preocupo-me com os dois extremos: infância e velhice abandonadas.
    É na infância abandonada que se "produz" a juventude viciada, do sub-mundo. O poder público, deixa a desejar, na assistência ao idoso. Toda essa questão, é resultado da inoperância política, na educação e na previdência social. O indivíduo trabalha, a maior parte de sua vida, pagando seus tributos e, quando mais precisa usufruir de bens acumulados, falta-lhe para o sustento, como falta-lhe o carinho da família, por serem pobres e causarem-lhe transtornos...Esta, é "cultura" brasileira, das últimas décadas...

    Texto importante, para uma profunda reflexão

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  7. Lindo, cheio de verdade teu texto..

    A preocupação com a velhice é algo importante e o descaso com ela, em igual proporção.

    Ver pessoas que tinhas(ou achavam que tinhas) poder, resolviam suas vidas, dominavam, de repente, estar à mercê de outras, dependendo de tudo para as funções básicas, é triste.

    Outros, ainda em melhores condições, mesmo lúcidos, tem consciência de seu quadro e da tristeza que é ser velho no Brasil...

    Lindo texto!beijos,chica

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  8. Tais
    Tudo na vida,nos é hipotético,se ficarmos ricos,se conseguirmos isso,se realizarmos aquela viagem,mas existe uma coisa que matematicamente certeza,a velhice,se para isso,e a morte,vivamos o tempo que vivamos...Esse teu texto é lindo e muito reflexivo também.
    Beijos!

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  9. Taís: Pensar na velhice é muito bom, são verdadeiras verdades ou puras verdades,vou 4 dias por semana visitar pessoas idosas e doentes,sei muito bem o que é ser idoso, tenho alguns que passa la duas e mais horas a ouvir as queixas deles sem se quer abrir a minha boca.
    Beijos.
    Santa Cruz (Diácono Gomes)

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  10. Quem dera que todas as instituições para idosos, fossem como essas do Asilo do Padre Cacique.....Por cá....a maioria...e cara...
    são autenticos depositos de
    gente triste e desamparada....
    É um problema....que não tenho coragem de aflorar....Deus me continue dando esta forma de viver....
    Boa semana
    Beijo

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  11. Tais,que reflexivo tema de sua crônica.Em um trabalho voluntário, em certo asilo, deparei-me com cenas odiosas.Questiono se em algum dia, poderemos ver sinais de melhora na vida das pessoas que mais necessitam de ajuda.
    Um grande abraço!

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  12. CONVITE

    Passei por aqui, para lê o seu blogue.



    Admirável. Harmonioso. Eu também estou montando um. Não tem as Cores e as Nuances do Vosso. Mas, confesso que é uma página, assim, meia que eclética. Hum... bem simples, quase Simplória. E outra vez lhe afirmo. Uma página autentica e independente. Estou lhe convidando a Visitar-me, e se possível Seguirmos juntos por Eles. Certamente estarei lá esperando por você, com o meu chapeuzinho em mãos ou na cabeça.
    Insisto que vá Visitar-me, afinal, o que vale são os elos dos sorrisos.

    www.josemariacosta.com

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  13. Voltei, para lhe comunicar que estou seguindo este blogue.
    Abraços, amaranhenssados.
    Felicidades. Sempre

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  14. Fui a primeira a comentar, mas falei pouco. Voltei para contar que quando meu pai faleceu, doamos as suas roupas e outros pertences ao Asilo Padre Cacique por confiarmos na administração de lá.
    Fizemos uma visita por tudo (que eu nem sabia que existia por lá)com uma pessoa nos guiando e explicando. Tirando aqueles que estão debilitados numa cama, os outros me pareceram felizes e enturmados.
    Na época, eu estava muito mal pela minha perda, mas consegui observar como funcionava.
    Fui voluntária por dois anos em dois asilos aqui em Gravataí. Foi deprimente. As queixas dos velhinhos eram muitas. Eles pediam muitas coisas. Não consedguia atendê-los e nem era permitido. Nem remédios alguns recebiam. Mas a pensão deles ficava todos os meses com a administração.
    Parei com o voluntariado quando minha mãe veio morar conosco, pois estava doente. Quando ela se operou, voltou para casa e ficou bem de novo, aconteceu tudo aquilo com o meu pai.
    Desisti do voluntariado em asilos. É muito doloroso. Temn que ser muito forte para levar coisas boas e não trazer para casa as ruins.
    Mas quem disse que viver é fácil e justo, não é mesmo?
    Beijos, lindona!
    Perdoe-me a demora em te visitar. Tenho ficado bem menos na internet. Demoro um pouco, mas venho. Grata pela compreensão.

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  15. Essa crônica ficou linda. Sabe, na rua onde moro uma filha internou a mãe em uma casa de repouso contra sua vontade. Simplesmente porque a mãe daria muito trabalho. O que mais me marcou foi que a senhorinha tinha mãe ainda viva! Uma mãe que nada poderia fazer... Já tinha mais do que 95 anos. Numa tarde de sexta viu a filha sendo internada. Três meses depois a tal senhorinha internada morreu. A mãe dela ainda está viva, mas não perdoa a neta por ter internado sua filha. A família vive uma angústia e um arrependimento.
    Abraços, amiga!

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Muito obrigada pelo seu comentário
Abraços a todos
Taís