pintura de Magritte
- Taís Luso de Carvalho
Existe coisa mais medonha do que foto três por quatro ? É difícil; quase sempre saímos com cara de presidiário. É um horror. Quando me pedem essa coisa, já vou ficando meio desatinada. E o pior é que ficamos numa desilusão que amarguramos por dias. Sentimos a decadência, temos consciência do estrago. Estou falando em fotos três por quatro. A tal da fotinho da cara dura, esperando o clic!
Ontem tive de renovar minha carteira de habilitação:- traga Carteira de Identidade, Comprovante de Residência, CPF... E duas Fotos três por quatro!Não deu outra: entrei em crise existencial.
Fui pra minhas caixas de fotos ver se descobria algo que pudesse passar. Achei várias! Mas eram fotos de muitos anos, de carteiras anteriores. Olhei... olhei... E não senti firmeza. Procurei mais. Encontrei outras, do tempo em que eu ainda podia tirar uma três por quatro , daquelas que se vê a alma. Mas também não daria: muito jovem. Fiquei imaginando a cara do homem ao ver o antes e o depois... Comecei a remexer mais, a procurar uma foto mais estressada e um pouco neurótica... Mas não achei nada que se encaixasse nesse maldito 3x4.
Têm fases na vida da gente que é bom não registrar: cara de estressada, cara de desgosto, nossas perdas, nossas desilusões, nossas frustrações...Tudo somado, não tem foto que aguente. Seria pegar mais um probleminha pra resolver: endireitar a cara. E com urgência.
Então resolvi enrolar o homem. Dei a mesma foto da carteira anterior, de oito anos atrás, e sumi o mais rápido possível, assim não daria tempo da comparação. Logicamente coloquei uns óculos tipo Stevie Wonder que cobria quase metade do meu rosto. Podem acreditar: deu! Só tem uma explicação: ou o cara era deficiente visual ou era muito educado.
O que interessava, mesmo, era se minha vista e meus reflexos estavam bons. A foto seria uma firula de segundo escalão. Nada pra se dar tanta bola.
Depois desse fato fiquei pensando como somos exigentes com nossa imagem; o tanto que uma simples foto pode nos abalar quando temos de passar por essas provações, por renovação de documentos. E quando temos autocrítica, quando exigimos muito de nós, a coisa fica pior ainda. Estou empregando o nós porque nunca vi alguém ficar satisfeito com este tipo de foto.
Mas o que altera de fato a nossa imagem é a nossa cabeça; é nossa maneira de viver e de encarar o mundo. De levar tudo muito a sério. Isso é extremamente cansativo.
Tirando certos períodos conturbados que somos obrigados a encarar, diria que se levarmos as coisas no bico o fardo fica muito pesado, desgastante; tudo que é light traz mais benefícios.
Mas levar a vida com leveza, não é mole: é um exercício. É deixar tudo que não for relevante, passar, que se vá! Muitas pessoas não toleram um olhar atravessado... Já é motivo pra encrenca. Aí o caldo entorna.
Quem sabe, se eu levar a vida mais mansa, na próxima foto eu não precise correr atrás dos óculos do Stevie Wonder...
Já estou começando: vou me esticar e pegar um bom livro...
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