MAESTRO JOÃO CARLOS MARTINS

-Tais Luso de Carvalho

Há muito tempo que eu não tinha um sentimento de admiração por alguém na esfera pública. Talvez por descrença, talvez por tanta corrupção que presenciamos, talvez porque meu ídolo tinha os pés de barro. Existem pessoas que se destacam; mas poucos são os que podem se tornar uma referência para  nossa sociedade. João Carlos Martins sensibiliza pela sua bondade, pela sua garra, pela sua superação e pelo seu amor à música: sim, o Maestro foi o maior intérprete de Johann Sebastian Bach - quando podia ainda tocar.

É necessário que tenhamos alguém que sirva como referência para tantos tropeços e desânimos, já que muitas vezes precisamos de forças que emanam do meio em que vivemos; precisamos de alguém que sirva como exemplo em meio a tanta discórdia e a tanta corrupção; precisamos de alguém que lidere e trabalhe com meninos de favelas e mostre ao país e aos governantes que quando se quer, se faz.

Palavras, diriam pouco desse maestro: ele é um exemplo de persistência, de superação, de ética e de trabalho. Tive de segurar as lágrimas ao vê-lo em entrevistas tocar o Hino Nacional com suas abençoadas mãos que teimam em seguir tocando. Parece que cada nota é uma súplica!

Não quero falar muito de sua obra - já tão conhecida. Porém deixo registrado aqui que o maestro tocou com as maiores orquestras americanas e européias, tais como Boston Symphony, Los Angeles Philharmonic, Royal Philharmonic, Cleveland Symphony, Pittsburgh Symphony, entre outras. Porém, quero  falar  do maestro como Ser Humano.

Pois bem, no apogeu de sua carreira é que começou o outro lado de sua história. Ao machucar-se num jogo de bola, uma pedrinha entrou em seu braço, perto do cotovelo, rompendo um nervo. Após muita fisioterapia e força de vontade, foi em frente. Continuou sua jornada adaptando-se a uma nova maneira de tocar piano, superando todos os entraves. Tocou para uma grande platéia no Carnegie Hall. E daí pra frente gravou a obra completa de Bach. Porém suas mãos foram atingidas pela LER - lesão por esforço repetitivo -, fazendo com que o pianista interrompesse novamente sua arte.

Com muito treino retomou: continuou a tocar com o mesmo desempenho de antes. Porém, ao sair de um estúdio em Sofia / Bulgária - foi assaltado. Ao reagir foi atingido na cabeça, com uma barra de ferro e sofreu uma lesão cerebral que o tirou dos palcos por oito meses. Sua recuperação não foi boa: o lado direito de seu corpo ficou comprometido. Após esse fato, onde danos e dores intensas se faziam presentes, a alternativa dos médicos, quanto à saúde do maestro, só se resolveria se fosse feita uma cirurgia que cortasse o nervo da mão direita. E foi feita, após um concerto de despedida.

Mas a música continuou sendo a companheira do mestre: passou a tocar apenas com a mão esquerda, aquela em que havia dado o problema com a pedrinha. E, nesta mão, não tardou para que surgisse um tumor, devido ao uso excessivo. E o Maestro veio a perder também os movimentos da mão esquerda. Dissera ao seu cirurgião que embora perdesse os movimentos das mãos, jamais perderia a música!

Após, com a humildade dos sábios foi estudar regência: mesmo não conseguindo usar as mãos para segurar a batuta e nem virar a partitura conseguiu superar-se de uma maneira mais emocionante: hoje decora todas as partituras e rege com o coração.

Ao vê-lo tocar o Hino Nacional - a nota principal foi uma lágrima sofrida de luta  e de superação, escorrendo pelo seu rosto. Por onde passa deixa uma nota de esperança e perseverança. Não  admiraria alguém que levantasse as massas com discursos falsos: quero ter admiração por alguém que mostre obstinação por algo lindo – como a música clássica – mas que sua luta seja silenciosa. De uma maneira ou outra a gente acaba percebendo quando alguém nos dá uma lição de vida.

No mês passado operou novamente uma das mãos e já correu para o piano! Que fique para nossa sociedade e para o mundo o exemplo de um Ser Humano que só temos de admirar. Este vai ficar na nossa história - não tenho dúvidas. E que bom que é um de nós...  Um brasileiro que aparece pela sua grandeza. Aliás, como estamos precisando disso...

Deixo aqui  meu agradecimento e minha admiração ao maestro João Carlos Martins.

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